Em qualquer pesquisa sobre as necessidades e desejos da população da Serra, os temas mais recorrentes são sempre saúde, educação e segurança. Aliás, esses são gargalos típicos em todo o Brasil, não apenas na Serra. Porém, para que essas demandas sejam atendidas, a economia da cidade precisa continuar crescendo, pois o custo do setor público não para de aumentar.
Foi com o setor industrial que a economia da Serra começou a dar seus primeiros grandes saltos após 1960. O impacto desse crescimento foi o aumento populacional acelerado, que nunca cessou e segue forte até hoje, trazendo consigo uma crescente demanda por serviços públicos, como creches e unidades de saúde. A partir de 2008, um novo fenômeno começou a se consolidar: a transição econômica da indústria para o setor de serviços, mais especificamente para a logística.
Foi nesse ano que, pela primeira vez, o Valor Adicionado Bruto (VAB) dos serviços superou o da indústria na composição do PIB da cidade. Esse cenário continuou por alguns anos, até que a importância econômica de ambos os setores se equilibrou a partir de 2020. É no contexto desse breve histórico econômico da Serra que a cidade se encontra à beira de uma nova oportunidade.
Na semana passada, o Governo do Estado instituiu um programa estruturante de integração logística, chamado ParklogBR/ES, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico. A iniciativa promete potencializar o desempenho logístico, econômico e social das cidades de Aracruz, Colatina, João Neiva, Linhares e Serra, conectando-as em uma grande região econômica que em tese, trabalhará de forma integrada.
O Programa Estruturante ParklogBR/ES é estratégico para o Espírito Santo, especialmente para a Serra, pois oferece à cidade a chance de absorver parte do crescimento econômico de Aracruz, dentro de um contexto de planejamento e organização. O programa tem como objetivo fomentar o desenvolvimento de terminais portuários, rodovias, ferrovias, aeródromos e áreas empresariais nos cinco municípios. Além disso, o decreto estabelece a criação de um comitê executivo de coordenação, cuja composição ainda não foi anunciada.
O clima de otimismo é evidente entre aqueles que planejam o futuro econômico do estado. O vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Ricardo Ferraço, um dos principais articuladores do ParklogBR/ES, aposta que o projeto vai potencializar a vantagem competitiva do Espírito Santo, dada sua posição geográfica estratégica como solução logística para o Brasil.
O ParklogBR/ES se soma à primeira Zona de Processamento de Exportação (ZPE) privada do Brasil, já instituída em Aracruz, além dos bilhões de reais já investidos na dinamização dos portos de Barra do Riacho e do Portocel, e no novo porto de grande calado de Imetame, que tem previsão de receber sua primeira atracação no próximo ano. Esse arranjo é complementado pela inclusão da região na área de influência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), estendida até Aracruz há alguns anos. A ideia é transformar a região no principal eixo de exportações do agronegócio do Centro-Oeste, no antigo concento do Corredor Centro-Oeste, mas que nunca reuniu as condições reais para isso. Mas dessa vez a conversa engrossou, especialmente se a variante ferroviária da Serra do Tigre for concretizada, interligando toda a zona produtiva de Minas Gerais e Goiás ao litoral norte capixaba.
Dessa forma, o fenômeno econômico de Aracruz insere a cidade no centro nervoso do estado, por onde bilhões de reais devem ser movimentados. Mas e a Serra nisso? A inclusão do município no Programa Estruturante ParklogBR/ES indica que a Serra pode ser beneficiária desse arranjo econômico no norte do estado, em vez de uma competidora, como antes se temia.
Com essa mentalidade, a Serra precisa agir como parte de um amplo projeto logístico-portuário protagonizado por Aracruz. Isso significa reter as empresas já instaladas na cidade e atrair parte daquelas que virão com o ParklogBR/ES. Para que isso aconteça, é mais do que fundamental que o município esteja bem representado no comitê executivo de coordenação do projeto, garantindo uma colaboração eficiente entre diferentes setores, além de articulações institucionais e empresariais, criando sinergias regionais.
Além disso, projetos de infraestrutura rodoviária, que já eram de extrema importância, ganham ainda mais relevância. Destacam-se a duplicação da BR-101 Norte, entre Serra e Linhares, e a construção do Contorno de Jacaraípe, que conectará a zona de eucaliptal a oeste de Jacaraípe com o Civit II. Em um conceito mais amplo, esse contorno se integrará ao chamado Contorno de Santa Cruz.
O Contorno de Santa Cruz é uma extensa rodovia, com uma nova ponte sobre o Rio Reis Magos, que contornará a região litorânea de Fundão e Santa Cruz, conectando-se ao centro logístico e portuário de Aracruz. Esse novo contorno se ligará ao de Jacaraípe, que já está em estágio avançado de obras e deve ser entregue em breve. Esses projetos de infraestrutura rodoviária representam a melhor chance de desenvolvimento econômico para a Serra no que diz respeito a Aracruz.
Quando concretizado, esse corredor pode servir como retroárea para o armazenamento, manuseio e movimentação de cargas antes ou depois do embarque/desembarque. Na prática, poderá ser uma extensão das zonas portuárias, auxiliando no fluxo eficiente de mercadorias, como ponto de apoio para atividades logísticas e de transporte. A Serra já está acostumada com essa posição intermediária: guardada as devidas proporções, algo semelhante ao que ocorreu há dois séculos, quando a antiga freguesia de São José de Queimado dinamizou a economia local, atuando como retroárea para o porto de Vitória através do tráfego fluvial.
Com a construção do Contorno de Jacaraípe e, futuramente, sua conexão ao de Santa Cruz, a Serra ficará a apenas 30 minutos dos portos do litoral norte, em um corredor rodoviário projetado especificamente para essa função, sem competir com o tráfego turístico da ES-101 ou o fluxo nacionalizado da BR-101.
Um dos desafios da Serra é trazer a gigante da celulose, Suzano, para a mesa de negociações. A empresa é proprietária de quase 10% do território do município, abrangendo a área entre Nova Almeida e Jacaraípe, que se estende desde o litoral até as encostas do Mestre Álvaro, cobrindo quase todo o vale da Lagoa Juara. Essas são áreas que pertenciam à antiga Aracruz Celulose. O Contorno de Jacaraípe atravessa esse território, um vasto eucaliptal que, até o momento, pouco contribui para a cidade, seja em termos de biodiversidade, seja na economia.
No entanto, como essas áreas são de propriedade privada, o poder público precisa convocar a empresa para discutir questões estratégicas para o município e encontrar soluções que evitem um longo e custoso processo de desapropriação de terras.
Além do dever de casa da Serra, a integração das cinco cidades é o ponto de partida para que o ParklogBR/ES seja um sucesso. A Serra pode se tornar a maior prestadora de serviços, fornecendo mão de obra, insumos e suporte para o desenvolvimento regional. Isso é ainda mais relevante considerando o arranjo de metalmecânica presente na cidade e sua posição estratégica em relação à capital, Vitória. Às vezes, é importante ressaltar o óbvio: a Serra é a única cidade interligada por terra com Vitória. Portanto, se não houver um projeto factível para a construção de uma 4ª ponte — como parece ser o caso — a Serra se apresenta como a principal alternativa para a dinamização econômica da capital, garantindo que Vitória não fique para trás. Mas isso é assunto para outro artigo.
De qualquer forma, a modelagem do ParklogBR/ES demonstra claramente que a Serra está nos planos governamentais do Espírito Santo para a concretização do Corredor Centro-Leste, uma alternativa debatida há anos para inserir o estado na grande economia do agronegócio brasileiro.
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