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Passando a boiada no meio ambiente

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Margens do rio Jucu em Viana, imagem feita no último sábado (23): manancial que abastece Vitória, Cariacica e Vila Velha sofre com assoreamento e criação de gado sem proteção das margens é uma das causas. O mesmo acontece com rios que abastecem a Serra. Foto: Bruno Lyra

A reunião do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com seus ministros em 22 de abril, cujo vídeo foi divulgado na última sexta feira (22) por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), revelou diálogos absurdos entre autoridades que chefiam a nação.

Num deles, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Sales (Novo) disse que o governo precisa aproveitar que a atenção da imprensa está voltada para a pandemia e mexer na legislação ambiental. Para sintetizar o grotesco raciocínio, o ministro disse que esta é a boa hora para “ir passando a boiada”.

E a boiada estourou. É fato que as políticas ambientais gestadas na Constituição de 1988 já vinham sendo fustigadas antes do governo Bolsonaro.  Em 2012, por exemplo, o Código Florestal foi alterado para legalizar degradações em áreas de preservação permanente (APP´s).

Mas, sem dúvida, o desmonte ambiental acelerou vertiginosamente com o atual presidente. Não é surpresa. Ainda na campanha, o então candidato Bolsonaro sequer apresentara em seu programa propostas de proteção à natureza. Logo após vencer o pleito de outubro de 2018, o presidente anunciou que extinguiria o Ministério do Meio Ambiente. Recuou ante a enxurrada de críticas internas e externas.

Ato contínuo, indicou Ricardo Salles para assumir a pasta. Àquela altura, Ricardo já havia sido condenado pela Justiça por ter alterado ilegalmente mapas de área de preservação em São Paulo com intenção de favorecer mineradoras. Isso quando ainda era secretário de Meio Ambiente do governo paulista.

Ao assumir o Ministério do Meio Ambiente, Salles bateu continência para o desprezo ao meio ambiente nunca escondido por Bolsonaro. Em abril de 2019, o ministro defendeu leilão de petróleo no entorno do Parque Nacional de Abrolhos.  Naquele mês anunciou revisão geral das 334 unidades de conservação federais do país para atender demanda de alguns megafazendeiros, o que incluía até extinção de parque nacional. Fragilizou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), reduzindo a participação de entidades da sociedade civil. Atacou sistematicamente as ONG´s.

Afastou pessoal do Ibama que ficava à frente da fiscalização. E também de quadros chaves do ICMBio. Fez o Brasil perder doações que eram direcionadas ao Fundo Amazônia.  Endossou ideias do presidente em permitir mineração em terras indígenas. Nada fez para se opor à medida provisória que tenta oficializar grilagem em terras indígenas não homologadas. Neste caso, literalmente para passar a boiada, uma vez que a invasão de territórios dos índios atende a interesses de alguns madeireiros, garimpeiros e grandes criadores de gado.

Vale lembrar que além de proteger o intrínseco direito da manutenção da cultura, identidade e da vida dos povos originários do Brasil, as terras indígenas também prestam serviço ambiental imenso, pois lá não se desmata em escala.

Foi também na gestão Bolsonaro/Salles que a Amazônia ardeu sob incêndio cataclísmico em 2019. E que segue batendo, mês a mês, recordes de desmatamento.  O fato da destruição da floresta ter piorado na gestão Salles não é coincidência.

Mata Atlântica na mira e Serra sofrida

Sobrou também para a quase extinta mata Atlântica. Logo  após a ‘reunião da boiada’, no fim de abril último, Salles anunciou medida provisória que reduz a proteção desse bioma que abrange a faixa leste do Brasil, incluindo o ES e a Serra.

A notícia é a pior possível para os serranos. É que o município já acumula muitos passivos anteriores à gestão Salles/Bolsonaro, decorrentes do exponencial crescimento urbano puxado  pela implantação da siderurgia em Tubarão (Vale e ArcelorMittal, respectivamente ex-CVRD e CST) e polos satélites como os Civit’s.

Dentre esses passivos, está o de não ter conseguido transformar seu principal símbolo paisagístico, o Mestre Álvaro, numa área efetivamente protegida, vigiada e estruturada para visitação. Há coisas mais graves, porém. Exemplo é a crônica poluição por esgoto nos rios, córregos, lagoas e praias.

Soma – se a isto a deterioração da saúde respiratória por conta da poluição do ar típica de centros urbanos deste porte, no caso aqui amplificada pelo pó preto.

A cidade tem bairros e centros comerciais cheios de concreto e asfalto com quase nenhum verde. Haja calor.  A água que chega às torneiras vem dos rios Santa Maria e Reis Magos , ambos combalidos pela poluição, assoreamento e escassez hídrica crescentes. Como esquecer da falta d’água que castigou o serrano ao longo da super seca entre 2015 e 2016? Ou da água salobra enviada pela Cesan para moradores da Serra Sede e entorno por conta da intrusão da cunha salina no rio Reis Magos em 2019?

Mesmo tendo um planejamento melhor de que suas vizinhas, a Serra não está livre das enchentes e deslizamentos. Há muita ocupação em áreas que deveriam ser de preservação permanente.

Até agora, a Serra é o município capixaba que mais tem mortes pela pandemia do novo coronavírus. É também a que tem a maior taxa de mortalidade pela doença comparada com suas vizinhas Vitória, Vila Velha e Cariacica. Pesquisas nos EUA e Europa revelam que a qualidade do ambiente onde mora o infectado é um dos fatores para as chances de cura.

Enquanto Bolsonaro estiver no poder indicando uns Salles ‘da vida’ para tomar conta da política ambiental do país, são nulas as expectativas de que a natureza não será ainda mais devastada. Isso não tira a responsabilidade de outros gestores públicos locais e estaduais pela sucessão de passivos ambientais acumulados. Nem da iniciativa privada, tampouco das ações de cada pessoa. Mas agora a porteira está mais escancarada.

 

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