Que o pó preto siderúrgico lançado no ar pelas gigantes Vale e ArcelorMittal na ponta de Tubarão é prejudicial à saúde humana moradores e médicos que atuam na Grande Vitória já sabem. Mas um estudo inédito desenvolvido por pesquisadores de universidades brasileiras e de mais quatro países revela que o problema também afeta o sistema respiratório de peixes e gera acumulação de metais no organismo desses animais.
O estudo está em andamento e parte do pressuposto de que o pó que está no ar acaba caindo ou é arrastado para lagoas, rios e o mar do entorno do Complexo Industrial de Tubarão na Grande Vitória e também nas redondezas da Samarco (Vale+BHP) em Anchieta, litoral sul do ES.
Uma vez na água, o contaminante é absorvido pelos peixes que nela respiram, conta uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, a bióloga Drª Iara da Costa Souza. A cientista é ex-moradora de Portal de Jacaraípe – localidade onde ainda vivem seus pais – e atualmente está vinculada a Universidade Federal de São Carlos, uma das instituições envolvidas no estudo.
Na última quarta-feira (24) Iara e equipe coletaram tilápias na lagoa de Carapebus, vizinha ao Complexo de Tubarão, para análise dos impactos do pó preto. E na última quinta-feira (25), na lagoa Mãe-Bá em Anchieta.
Segundo Iara, a Tilápia – que é uma espécie exótica – foi escolhida por sua robustez e também pelo consumo ser muito difundido, tendo inclusive suas vísceras usadas na produção de ração. O resultado da análise dos peixes pescados nas lagoas só deve ser divulgado em seis meses, prazo previsto para a conclusão dessa etapa do estudo.
Mas a etapa anterior da pesquisa, utilizando tilápias em água contaminada com pó preto, só que em ambiente de laboratório, trouxe resultados preocupantes. De acordo com Iara, foram encontrados metais como cobre, alumínio, ferro, zinco, manganês e chumbo nas vísceras e no filé em quantidades acima do limite legal nos peixes expostos. As substâncias podem ser absorvidas pelas pessoas que comerem os peixes contaminados.
O pó preto utilizado no experimento foi coletado na Ilha do Boi, bairro de Vitória que fica em frente às plantas da Vale e ArcelorMittal e um dos que mais sofrem com a poluição siderúrgica. E os problemas para os peixes vão além da concentração de metal.
“Esse pó também causa deficiência respiratória nos peixes, porque isso acaba levando ao aumento do metabolismo basal e o organismo gasta muito mais energia para realizar atividades básicas como respirar, ele respira com muito mais esforço. Esse é o principal efeito que a gente já conseguiu observar”, explica Iara.
Risco de câncer para população humana
Outra frente da pesquisa é avaliação do impacto do pó preto siderúrgico nas células do pulmão humano. Esse trabalho está sendo realizado em laboratórios e já tem resultados também preocupantes. Segundo a pesquisadora, cerca de 10% partículas com metais absorvidas pelas células entram no núcleo e provocam mutações genéticas, o que aumenta risco de câncer. Iara acrescenta que, além disso, o pó preto também gera morte celular mais acentuada.
O estudo foi iniciado em agosto do ano passado e tem prazo de cinco anos para ser concluído. Além da Universidade Federal de São Carlos (São Paulo), envolve pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade de Hull (Reino Unido), Universidade de Birgminton (Reino Unido), Universidade da Austrália Ocidental (Austrália), Universidade de Montpellier (França).
O financiamento é da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e há expectativa que também receba recursos de emenda parlamentar indicada pelo senador capixaba Fabiano Contarato (Rede).
O título do estudo é ‘Material Particulado Atmosférico e Contaminação Ambiental: Avaliação do Impacto na Biota Aquática em uma abordagem Ecofisiotoxicológica Integrada’. Confira a matéria exclusiva que Tempo Novo publicou sobre o estudo em outubro de 2020.
Coordena o trabalho a pesquisadora professora Drª Marisa Narciso Fernandes do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSCar. Da Ufes, participam as pesquisadoras Drª Lívia Dorsch Rocha, Drª Silvia T. Matsumoto, Drª Hiuliana Pereira Arrivabene. E também a Drª Mariana Morozesk.
Já o pó preto usado para os experimentos laboratoriais tem sido coletado na Ilha do Boi, numa área mais distante da influência do trânsito de veículos, pelo engenheiro químico e empresário Eraylton Moreschi, que também é ativista da ong Juntos SOS Ambiental ES. A entidade tem se dedicado desde a década de 2000 a cobrar a redução da poluição do ar pela siderurgia na Grande Vitória.
Moqueca insalubre
A pesquisadora Iara de Souza estuda a influência dos metais pesados do pó preto em peixes da baía de Vitória desde meados da década de 2000. Segundo ela, o que convenceu as instituições a apoiarem a atual pesquisa foram os resultados dos seus trabalhos anteriores e a premissa de que o pó preto, ao contato com a água, diminui de tamanho. E quanto menor a partícula, maior o potencial ofensivo.
Um dos objetivos do estudo é inclusive orientar governos e legisladores quanto à tolerância máxima de pó preto no ar da Grande Vitória, uma vez que a região é muito úmida e a poeira pode se tornar muito menor e mais agressiva do que se pressupõe atualmente.