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Porque a ‘ingênua’ ida de Audifax na Câmara da Serra é um fato absolutamente expressivo?

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Em 2019, Audifax acusava a Câmara da Serra de estar “tomada pelo crime organizado com objetivo de dar um golpe e assumir a Prefeitura”. Foto: Gabriel Almeida | Arquivo Tempo Novo

Até ontem (quarta-feira, dia 11), falar de Câmara da Serra e Audifax Barcelos era similar à mistura de água e óleo, ainda mais se considerar que o comando da Casa de Leis, permanece sob a égide do presidente Rodrigo Caldeira, de quem (oficialmente) até então eram desafetos mais do que justificáveis.

A palavra acima, ‘oficialmente’ em parênteses, precisa ser levada em consideração, pois nos bastidores já haviam informações solidificadas que Rodrigo e Audifax mantinham algum nível de diálogo; extra-oficialmente, Audifax esteve na casa de Rodrigo no sábado que antecedeu a cordial visita do ex-prefeito à Câmara.

A importância deste ato público de Audifax pode ser analisada em pelo menos quatro níveis de relevância, tanto no campo político quanto institucional para a Serra. Audifax foi recebido com gala, visitou gabinetes de vereadores, fez uma reunião ampliada na sala da presidência e deu sinais de estar bastante à vontade em um lugar que já foi muito hostil a ele.

Contexto remonta 2015

Presidente da Câmara, Rodrigo Caldeira. Foto: Divulgação

Para entender a importância desse ato político é necessário voltar aos idos de 2015, quando Audifax, então, prefeito da Serra, em seu 2º mandato, decidiu deixar o PSB para migrar em direção a Rede sob o patrocínio direto da então presidenciável Marina Silva. Para demonstrar sua força e articulação, no mesmo ato de filiação, Audifax carregou consigo dois de seus aliados à época: os então vereadores Rodrigo Caldeira e Alexandre Xambinho.

Naquele momento, Audifax tinha problemas políticos com a então presidente da Câmara da Serra, a vereadora Neidia Maura Pimentel. Chegou à campanha eleitoral de 2016 que colocou frente a frente os arquirrivais Audifax Barcelos e Sergio Vidigal.

Na Câmara, Neidia do lado vidigalista e Caldeira do lado audifista. Depois de uma campanha marcada pelo grave quadro de saúde de Audifax, o então prefeito levou a melhor contra Vidigal e recebeu o direito constitucional de ser o prefeito novamente por mais quatro anos.

O ano de 2017 chegou e apesar da vitória nas urnas de Audifax, nas eleições proporcionais quem levou a melhor foram os candidatos ligados a Vidigal. Estes se juntaram e decidiram formar uma chapa visando à eleição da presidência da Câmara da Serra. A manobra estava montada, a oposição ia levar a disputa, quando de última hora, Neidia pulou do barco e negociou sua manutenção na presidência com apoio da base governista, traindo a oposição.

De última hora, Neidia abandonou o grupo de Vidigal e pulou para o lado de Audifax. Ato este que, mais na frente, geraria seu afastamento da Presidência da Câmara por conta de uma onda de denúncias. Foto: Divulgação

Esse movimento derrotou a oposição de Audifax na Câmara e um clima beligerante e odioso tomou conta da Casa de Leis. O tempo passou, mas o rancor dos vereadores vidigalistas traídos não. Neidia foi alvo de uma onda denuncista que redundou em investigação do Ministério Público; que em 2018 resultou em seu afastamento do cargo.

Nesta altura, o calado, mas inteligente vereador Rodrigo Caldeira já era tido como um líder informal entre os parlamentares e dialogava com membros da base e da oposição. Logo após a queda de Neidia, os vereadores ajeitaram rapidamente uma nova eleição para recomposição da mesa diretora, dessa vez dentro de um arranjo político mais independente frente à influência de Audifax dentro do Legislativo. Ato que conduziu pela primeira vez Caldeira à presidência e o marco zero da grave crise institucional que estava por vir.

Com isso, restaram para Audifax dois caminhos: engolir seco o grupo que Caldeira montou com oposicionistas e governistas para controlar a Câmara de forma mais independente; ou dar suporte jurídico e político para reconduzir Neidia a presidência e ter domínio absoluto sobre a Câmara. Audifax optou pelo 2º caminho, o que acirrou ainda mais as rusgas criadas entre ele e Caldeira.

Entretanto os fatos jogaram contra o retorno de Neidia (que no fim foi condenada pela Justiça) e Caldeira se firmou como presidente (especialmente com suporte de duas figuras ocultas nos bastidores com muita ambiência em vários órgãos-chave), só que dessa vez, sem qualquer compromisso político com Audifax.

A guerra estava montada. O ano de 2018 acabou e 2019 entrou… e os sinais de dificuldades institucionais já eram visíveis logo no início do ano; projetos fundamentalmente importantes para a gestão de Audifax começaram a tramitar com velocidade de uma tartaruga, mas isso era só o começo. O prefeito também não dava sinais de que queria dialogar e foi dobrando a aposta.

Uma CPI para investigar supostas irregularidades na Secretária de Saúde da Serra foi montada na Câmara; discursos inflamados contra o prefeito marcavam todas as sessões; mas a gota d’água foi a abertura de 8 comissões processantes com base em um parecer prévio da área técnica do Tribunal de Contas que apontava irregularidades nas contas públicas da Prefeitura (que sequer tinham sido avaliadas pelos conselheiros).

Essas comissões processantes tinham um propósito objetivo: impeachmar Audifax. Uma intensa batalha judicial marcou o período. Como de costume, o então prefeito dobrou a aposta novamente. Reuniu a imprensa no dia 02 de abril de 2019 e cravou uma das declarações públicas mais fortes na história política da Serra: “a Câmara da Serra está tomada pelo crime organizado com objetivo de dar um golpe e assumir a Prefeitura”. A Crise Institucional na Serra, que já vinha sendo anunciada pelo TEMPO NOVO, foi então publicamente conflagrada. Audifax e Caldeira chegaram a pedir escolta policial e a batalha se potencializou na Justiça.

A Institucionalidade da Serra foi gravemente impactada em vários níveis por pelo menos três longos e conflituosos meses, quando líderes da oposição com aval de Caldeira e interlocutores da Prefeitura orientados por Audifax negociaram uma trégua. O ano de 2020 chegou, o foco se tornou a eleição municipal e a crise entre os Poderes continuou existindo, entretanto de um jeito mais tímido, pontual e escondido nos bastidores políticos para não transbordar aos olhos do eleitorado.

O resultado da eleição foi desgostoso para Audifax, já que seu arquirrival, Sergio Vidigal faturou a Prefeitura pela 4º vez na história e Rodrigo Caldeira se reelegeu tanto para vereador quanto para a presidência da Câmara da Serra. Audifax, por sua vez decidiu tentar subir o degrau e partiu em busca de articular uma pré-candidatura a governador, que a essa altura (dia 12 de maio de 2022) já é tida como consolidada.

Importância 01

E agora, chegamos à importância número 01 dessa (aparente) ‘ingênua’ visita de Audifax a Câmara da Serra. Antes de tudo é um ato público de um movimento que já vinha sendo gestado nos bastidores. Ao confraternizar com Caldeira dentro da Câmara, Audifax e o presidente do Legislativo da Serra enterram um passado traumático e selaram a abertura de uma frente de diálogo entre pessoas que detém muito poder e influência na maior cidade do Espírito Santo.

Importância 02

Em 2019, sob o olhar do governador Renato Casagrande, Audifax e Vidigal chegaram a apertar as mãos durante uma visita técnica ao Hospital Materno Infantil. Nessa foto, torcidas de ambos os políticos gritavam o nome de Audifax e Vidigal em disputa para ver quem se destacava mais. Foto: Edson Reis

A importância número 02 está na institucionalidade da Serra; ressalta-se: o arquirrival do atual prefeito Sergio Vidigal foi recebido com gala pelo presidente da Câmara da Serra, que é o líder do 2º Poder constituído da cidade. Logicamente, é uma atitude democrática, mas para quem conhece um pouco da política da Serra, sabe com clareza que trata-se de um ato político em um ano eleitoral e que fere frontalmente todos os interesses do prefeito Sergio Vidigal. Não dá para acender vela para dois santos na Serra.

Vale ressaltar ainda, que em 2021, o prefeito recém-eleito, optou por não interferir intensamente na eleição de presidente da Câmara, que reconduziu Caldeira a presidência. Em 2023 haverá nova eleição interna na Câmara, diante desse ato do atual presidente, como deve se comportar Vidigal? E como a decisão de receber publicamente o ex-prefeito e deixá-lo a vontade para fortalecer suas relações com os atuais vereadores pode impactar na fragilização da liderança de Vidigal entre os parlamentares? A influência de Audifax na Câmara pode ser um fator desestabilizador para a governabilidade de Vidigal?

Importância 03

Tudo aponta que o arquiteto dessa repentina cura de feridas entre Audifax e Caldeira foi o deputado estadual Vandinho Leite, que é também presidente do PSDB-ES; o partido grande, com acesso a recursos e tempo de TV, e um dos poucos que ainda não se posicionou claramente a respeito dos rumos que vai tomar na eleição de governador do ES; pleito do qual, Audifax é pré-candidato. Quais interesses de Vandinho e do PSDB em selar as pazes entre o ex-prefeito e pré-candidato a governador junto ao presidente do maior Legislativo municipal do ES e filiado ao mesmo PSDB de Vandinho? O que está na mesa de debates para esse ano e para 2024?

Importância 04

Caldeira é pré-candidato a deputado federal, assim como a 1ª dama, Sueli Vidigal. Fato que se configura em mais uma afronta política do presidente da Câmara ante aos interesses políticos do prefeito. E agora, Audifax e Caldeira voltaram a dialogar. Está na mesa uma ação coordenada e direta contra a 1ª dama? É certo que Sueli não pode perder a eleição, pois seria politicamente desmoralizante para um prefeito que governa o maior eleitorado municipal do estado e detém uma história de mais de 30 anos de serviços prestados a cidade. A vitória nas urnas de Sueli é uma demonstração de força e vigor eleitoral e partidário de Vidigal.

Cenas para os próximos capítulos

A verdade é que a visita repentina e ingênua de Audifax à Câmara da Serra não tem nada de repentina e ingênua. É um ato político de extrema relevância, pensado e gestado, que encerra um passado de guerra entre ele e o presidente da Câmara; é também um ato que mexe com a institucionalidade da Serra, visto que o pessoalismo ainda é muito presente na vida administrativa da cidade e pode fragilizar a liderança de Vidigal entre os vereadores; e é um ato partidário possivelmente envolvendo o PSDB e Vandinho Leite como atores ocultos; e é um ato de afronta à candidatura da 1ª dama, Sueli Vidigal, posicionando Rodrigo Caldeira como seu principal adversário. Não se sabe o que pode sair daí, mas é certo que a ‘visitinha’ do ex-prefeito é a ponta de um iceberg com vistas tanto para essa eleição de 2022 quanto para eleição de 2024.

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