Categories: Direito e Cidadania

Governadores e prefeitos podem decretar lockdown? (autoritarismo e medo contra a liberdade)

“O preço da liberdade é a eterna vigilância.” Essa frase, muitas vezes atribuída erradamente a Thomas Jefferson, é na verdade de um discurso de John Philpot Curran, pronunciado em 1790 e publicado em “Discursos muito Interessantes sobre Julgamentos Estaduais” (Speeches on the late very interesting State trials) de 1808.

Em primeiro artigo sobre o tema, “Mulher presa por não respeitar limite de 1 metro”, de 03 de Abril de 2020, já alertava sobre a escalada autoritária de chefes do executivo municipal e estadual na supressão de direitos e garantias individuais que são inalienáveis, advertindo que não se pode, a pretexto de proteção sanitária, negar os princípios e garantias constitucionais. De lá para cá a situação só piorou, assim, por imperativo moral, o assunto deve ser retomado.

O lockdown (bloqueio total ou confinamento) determinado por alguns governadores e prefeitos é ilegal. Fere o artigo 5º, inciso XV da Constituição federal.

A liberdade de locomoção, o direito de ir, vir e permanecer, é conhecida no Direito Constitucional, como um dos direitos e garantias fundamentais, o que impõe que esse direito só pode sofrer limitações através de previsões legais muito bem definidas.

A flexibilização ao direito de locomoção só pode ser restringido nas hipóteses de imposição de penas privativas de liberdade (com todas as garantias ao contraditório e a ampla defesa), autorização legislativa conferida à Administração Pública para disciplinar a forma de circulação das pessoas em determinados locais e, em último caso, com a decretação de estado de sítio (art. 139, I e II da Constituição Federal).

Aqueles que defendem o lockdown adotado por alguns governadores e prefeitos, alegam que o estado de calamidade pública é menos rigoroso que o estado de sítio (o que é verdade), permitindo a flexibilização de alguns direitos, entre eles, o direito de locomoção.

Em que pese à possibilidade de flexibilização de alguns direitos por decreto (municipal ou estadual), ainda mais depois da aprovação da lei nº 13.979/20 e a da decisão do Supremo Tribunal Federal de que os entes municipais e estaduais podem, por decreto, tomar decisões sanitárias independentes da União.

Decretar o fechamento de comércios, parques e ruas, alterar o funcionamento de hospitais e outros serviços essenciais à saúde ou de apoio à saúde, não autoriza o cerceamento da liberdade de ninguém, o famoso “fica em casa” só pode ser uma orientação educativa, nunca uma determinação legal. A não ser que se decrete estado de sítio.

A escalada do autoritarismo está atingindo níveis só vistos em estados ditatoriais, onde o governo é caracterizado pela obediência absoluta ou cega à autoridade, oposição à liberdade individual e expectativa de obediência inquestionável da população.

Medidas como “rodízio de CPF”, como o que foi implantado no município de Teresópolis/RJ, proibição de transmissões de missas on-line pelo governador de Pernambuco e toque de recolher decretado pelo governador da Bahia, são dessas coisas que causa revolta e ao mesmo tempo tristeza profunda por se verificar como o medo é utilizado por autoridades incompetentes para aviltar as liberdades individuais, rasgando a constituição, ao mesmo tempo em que recebem apoio e aval de uma parcela assustada da sociedade e de instituições que deveriam ser defensoras do Estado Democrático de Direito, defensoras da liberdade.

É necessário um alerta aos agentes públicos, seguir determinações e ordens absurdas cegamente pode levar à responsabilização cível e criminal (vide a nova lei de abuso de autoridade), já que cada um é responsável por suas ações e omissões. Autoridades políticas e seus arroubos autoritários passam rápido, as consequenciais para os funcionários públicos não.

Por fim, diferente do observado em outros estados, no Espírito Santo, o governador e os prefeitos, embora estejam cometendo muitos erros, mormente ao que se refere ao estrangulamento da atividade econômica, ainda estão tendo a sensatez de não proibir o direito de locomoção, nem exigindo que as forças públicas de segurança (PM, PC, GCM) prendam cidadãos comuns por sentarem na praça, correr na praia ou andar nas ruas.

 

Bruno Puppim

Bruno Puppim é advogado

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