Em tempos de Coronavirus (COVID-19), pandemia global, assim classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na quarta-feira dia 11 de março de 2020, surge para além das implicações de caráter sanitário e de saúde, implicações jurídicas quanto ao direito do Estado em poder obrigar, ou não, a entrar em quarentena e receber tratamento médico, aquelas pessoas que eventualmente não queiram colaborar voluntariamente com a prevenção dessa nova doença.
A medida de quarentena, por exemplo, tornou-se motivo de debates quando foi decidido pela Presidência da República o repatriamento dos brasileiros que estavam na China, especialmente os que se encontravam na região de Wuhan, marco zero da pandemia. Questionou-se a existência, na legislação brasileira, de instrumento legal para obrigar essas pessoas a ficarem isoladas em instalações médicas militares, até que fosse completamente descartado a possibilidade de contaminação.
No caso concreto, não houve qualquer problema, todos os brasileiros que foram repatriados colaboraram voluntariamente com a quarentena imposta, no entanto, se fosse preciso, o Poder Público poderia lançar mão do artigo 268 do Código Penal Brasileiro (CPB).
“Art. 268 – Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.
Crime que tem como pena a detenção de 1 (um) mês a 1 (um) ano e multa, com a possibilidade de aumento da pena em 1/3 (um terço) se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Qualquer pessoa pode praticar o crime, sendo que os profissionais da área da saúde pública e os médicos, farmacêuticos, dentistas e enfermeiros, mesmo que da iniciativa privada, respondem de forma mais grave. Chama a atenção que algumas profissões da área da saúde privada ficaram de fora, como os biomédicos, socorristas (paramédicos) e os técnicos em enfermagem, sendo que estas profissões guardam similaridade com as profissões que estão expressamente previstas.
Prima facie, se percebe que a pena prevista para o crime é muito baixa, levando-se em conta que o bem jurídico protegido é a incolumidade pública, que pode ter como consequência a morte de centenas ou milhares de pessoas, a depender da doença propagada.
Outrossim, tem-se a possibilidade da prática de um crime com pena mais grave, tal é o previsto no artigo 267 do CPB.
“Art. 267. Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos.”
Crime que prevê pena de reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, com a possibilidade do aumento da pena em dobro se do fato resultar morte, e o agente ter agido dolosamente (com intenção). Caso o fato seja praticado na modalidade culposa (sem intenção), a pena reduz drasticamente, sendo de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos pela simples propagação, ou de 2 (dois) a 4 (quatro) anos se resulta em morte.
Fato é que no atual quadro de disseminação do Coronavirus (COVID-19), quadro de epidemia já instalado, fica muito difícil provar que alguém causou a epidemia de modo proposital ou não, já que não se identificou de que maneira se deu a entrada do vírus no país.
Assim, mais do que por medo de punição, deve ser por autoconsciência moral e dever cívico que todos os indivíduos que formam o tecido social devem se precaver e colaborar com os esforços públicos de cuidado e prevenção.