Uma poeira só. Assim está a situação das casas e propriedades rurais ao longo da estrada de Muribeca, zona rural da Serra, desde que o pátio de ferro-gusa da Vale em Aroaba passou a armazenar adubos químicos. Isto porque uma prestadora de serviço da mineradora está usando caminhões trucados e carretas para transportar as cargas de adubo até o pátio, através de uma estrada vicinal não pavimentada.
Além da poeira e prejuízos financeiros, a comunidade local aponta problemas com fragmentos das cargas que caem durante o balançar dos veículos na estrada e com arraste desses produtos químicos para o córrego Relógio, já no pátio de armazenamento. O córrego passa ao lado do pátio e suas águas encontram o rio Santa Maria, que abastece a Serra, zona norte de Vitória e partes de Cariacica e Fundão. O pátio de Aroaba fica cerca de 5 km acima do local onde a Cesan capta a água no Santa Maria.
“A gente está passando uma situação complicada por causa da poeira. Já tem mais de cinco meses que surgiu esse trânsito. Fizemos reuniões com a empresa, que promete botar quebra mola, mas não põe. Nem quero ir mais a novas reuniões, já estou velho para bater palma para bobo dançar”, ironiza Miguel Arino, dono de sítio na região.
Recém operado do coração, outro proprietário de sítio às margens da estrada, Hamilton Pupe, teme pela saúde por conta do excesso de poeira. “Estamos enfrentando uma situação muito dolorosa. Essas carretas são dia e noite. Eu sou operado do coração há pouco tempo, não poderia nem estar aqui. Teve uma semana que fiquei uma hora na varanda e contei 28 carretas carregadas jogando poeira na casa da gente, sujando tudo, provocando alergias. Queremos uma atitude da Vale para minimizar o nosso problema”, cobra.
Dimas César de Oliveira, já pensa até em vender seu sítio. “Sofrendo muito com esse trânsito pesado. É 24h, sábado, domingo. Não estou conseguindo nem mais caseiro porque ninguém quer trabalhar para ficar limpando poeira o tempo todo. Prometeram colocar placa de sinalização, quebra mola, mas até hoje nada. Penso até em vender o sítio, porque estamos lutando contra uma empresa que tem muito poder e dinheiro”, desabafa.
Perda de R$ 18 mil com leite empoeirado
Produtor de leite em Aroaba, Eduardo Trabach, relata prejuízo financeiro. “Desde que começou isso, há mais ou menos um ano, o laticínio para onde vendo a produção tem condenado meu leite, alegando impurezas porque está caindo poeira. Quando isso acontece, o leite é descartado e perco a venda. Já perdi R$ 18 mil nessa brincadeira”, reclama.
Os responsáveis pela gestão do pátio até tem um caminhão pipa para molhar a estrada, mas a reportagem esteve na região na tarde da última terça –feira (05) e notou que a medida não conseguia conter a poeira, principalmente por conta da seca intensa e forte calor.
Veja vídeo feito por Eduardo na terça-feira:
“O caminhão pipa tira a água do córrego Relógio para molhar a estrada, mas não adianta nada. Tá servindo só para secar o córrego, que já foi um rio grande e hoje é só um fio d’água. Esse córrego passa do lado do pátio da Vale e está caindo resto de fertilizante lá. O meio ambiente teve aqui há um mês por causa da contaminação e matança de peixes. Não sei por qual razão continua o trabalho no pátio da Vale depois disso”, questiona Eduardo.
Jozi Pimentel Neto Barcelos, cujo pai de 79 anos e mãe de 69 moram desde que nasceram na região, questiona o porque de terem liberado tráfego pesado tão intenso numa via rural.
“Não comporta a passagem das carretas. Meus pais sofrem demais com a poeira, o que clamamos é que resolvam nosso problema. Não pode a Vale estar lucrando, se beneficiando e os moradores prejudicados.
Jozi também disse estar preocupada com o armazenamento de adubos químicos perto de rio que, poucos quilômetros abaixo, tem captação para abastecer parte da Grande Vitória. “Nós estamos vendo a questão ambiental sofrer tanto ultimamente”, conclui.
Aroaba é modal de transporte rodoviário para trem
O pátio de Aroaba fica ao lado da ferrovia Vitória-Minas, na zona rural da Serra perto das divisas com Cariacica e Santa Leopoldina. Há décadas era usado basicamente para transporte de ferro-gusa, produto obtido em atividade industrial que é insumo para siderúrgicas fabricarem aço.
A novidade é o recente uso do pátio para armazenamento de fertilizantes químicos. De acordo com funcionários locais e caminhoneiros que não serão identificados para evitar retaliações, o produto é importado pelo porto de Capuaba, em Vila Velha, e levado em carretas e caminhões truck tipo basculante, em granel, até o pátio. Dali é embarcado de trem para abastecer o mercado do agronegócio em Minas Gerais e estados do Centro-Oeste.
Para isto, foram erguidas três grandes lonas infláveis no pátio. Os caminhões adentram essas grandes estruturas para descarregar as substâncias, que segundo funcionários são os adubos uréia, KCL (Cloreto de Potássio) e MAP (Fosfato Monoamônico).
O transbordo de ferro-gusa continua acontecendo no local, ao lado das estruturas que armazenam adubo. A Vale não se pronunciou sobre a atividade de logística no local. Em breve nota enviada à reportagem ontem (05), disse que “não comenta relações comerciais específicas em função de cláusulas de confidencialidade”.
Empresa e órgãos ambientais contatados
Sobre os problemas ambientais da poeira e contaminação de águas citadas pela comunidade da região, a reportagem acionou a Vale nesta quarta –feira (06). E assim que tiver posicionamento da empresa, publica neste espaço. A reportagem também solicitou posicionamentos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Serra (Semma) e do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema).
A reportagem tenta, ainda, contato com a empresa Naja, que faz as operações com as cargas no pátio da Vale em Aroaba. Na manhã desta quarta-feira (06), o ninguém atendeu os telefonemas direcionados ao escritório que, segundo o site da Naja, fica localizado em Jardim Camburi, Vitória.