Não está fácil a vida do professor. Além de ter que conviver com falta de estrutura, violência e ter que trabalhar em diversos turnos para ter remuneração adequada, agora entrou na mira dos que consideram ideologização do ensino. O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados têm estimulado alunos a filmarem e denunciarem professores que estejam usando as aulas supostamente para doutrinação ideológica, gerando apreensão entre os profissionais.
Inclusive já há no Congresso Nacional o projeto de lei de Escola Sem Partido. Projeto semelhante também tramita na Câmara Municipal. Com tudo isso, o cotidiano dos docentes que atuam na cidade está mais tenso.
Caso do professor de história da escola municipal Paulo Freire em Vista da Serra II, Sebastião Garcia, mais conhecido como professor Garcia. “Na segunda-feira após a eleição, os meninos do 7º ano perguntaram como seriam as coisas com Bolsonaro presidente. No dia seguinte, apareceu um pai e que fez afirmações de que eu estava doutrinando o filho dele, me chamou de esquerdista, de comunista. Isso de forma desrespeitosa. Mostrou um vídeo de 15 min que o filho dele fez durante minha aula”, conta.
Segundo o professor, esse pai teria dito que a gravação foi por orientação do presidente eleito. “Está um clima muito ruim na escola, até com alguns colegas de trabalho que levantam a bandeira da Escola sem Partido. Acompanho este debate com tristeza. Nós cumprimos o que está na lei, trabalhamos esclarecimentos na sala de aula e falamos sem impor qualquer tipo de ideia”, argumenta.
Professora de sociologia da escola estadual Aristóbulo Barbosa Leão, em Jardim Limoeiro, Fabíola dos Santos Cerqueira disse que pela primeira vez em 18 anos de carreira se sentiu acuada por um estudante. “Um aluno começou a me provocar, com perguntas sobre fascismo. Ele não queria tirar dúvidas, mas me provocar. Me acusava de ser socialista, aliada de Che Guevara. Ignorei, pois temia que ele estivesse me provocando para filmar uma reação. O projeto (Escola sem Partido) é mais uma tentativa de alienar a população, uma vez que querem que a história seja contada a partir de um viés. E isso é também ideológico”, aponta.
Acusação de feminista e de estar influenciando filha
Kesia Ferreira já deu aula em escola pública e atualmente trabalha em cursos livres, como pré-Enem. Ela conta que teve uma experiência ruim na última escola em que trabalhou. “O pai de um dos alunos enviou um e-mail anônimo dizendo que eu fazia doutrinação marxista na sala de aula. Na época o tema do Enem foi sobre violência contra a mulher. O homem me chamou de feminista e disse que eu estava influenciando a filha dele”, conta.
A professora também vê com preocupação o avanço das ideias como a da escola sem partido. “Sou contra pelo fato de que tudo é orientado por uma base ideológica e isso não significa que professores estejam carregando fichas de filiação partidária. Uma de nossas funções é ensinar o aluno a pensar na realidade de forma crítica. O projeto visa apenas criminalizar a função docente”, critica.
Já o professor de química do Centro Educacional Linus Pauling, de Laranjeiras, Helber Matheus Firme, pensa que o regente de sala deve ser um apontador de possibilidades e não um definidor de ideologias. “A escola não pode definir destinos filosóficos e ideológicos para ninguém. A construção das ideias é o maior aprendizado, que balizado pelo conteúdo acadêmico, certamente concorrerá para o sucesso do aluno. O professor sem partido faz a escola sem partido. O professor não pode ser apolitizado, mas deve se manter ético e fiel à sua função de ensinar lembrando que polarizar não é politicar”, pondera.
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