Estudo do Projeto MapBiomas divulgado ontem (22) indicou que de 1990 para cá, ou seja em 30 anos, o Brasil perdeu 15,7 % de sua superfície de água doce. A perda de 3,1 milhões de hectares em superfície hídrica em todo território nacional no período equivale a nada mais nada menos que 67% da área do Espírito Santo. O que dá cerca de 56 vezes o tamanho do município da Serra.
Os estados com maior recuo de água foram Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, capitais do agronegócio. E não foi por acaso. Segundo o estudo, o desmatamento para implantação de extensas pastagens e monoculturas como a da soja são os principais responsáveis. Principalmente porque na esteira dessas atividades são construídas represas em fazendas para a irrigação dos cultivos.
A construção de grandes barragens para hidrelétricas também vem contribuindo para o cenário, acrescenta o MapBiomas. Isto porque afetam a distribuição das águas nos canais naturais dos rios, além de contribuírem para maior evaporação da água. O bioma Pantanal, maior planície alagada do planeta Terra e que fica entre os dois ‘matogrossos’, o Paraguai e a Argentina, foi o que mais secou.
Inserida no bioma Mata Atlântica – assim como todo o ES – a Serra tem na acelerada urbanização a principal razão da perda de suas superfícies hídricas. Alagados como os do Mestre Álvaro vêm sendo aterrados e não há sinais de que haverá recuo. Assim como os alagados da lagoa Juara já morreram e viraram bairros à oeste da Grande Jacaraípe.
O mesmo aconteceu e segue acontecendo com fundos de vale antes repletos de banhados naturais, nascentes e cursos d’água entre outros bairros da cidade. Caso das várzeas dos córregos São Diogo e Laranjeiras, das cabeceiras da lagoa Jacuném no Civit I, do córrego Maringá no Civit II. Do vale do Doutor Róbson na região da Serra Sede. E das próprias nascentes da lagoa Juara, impactadas pelas obras do Contorno do Mestre Álvaro na região rural entre Muribeca e Chapada Grande.
Abastecimento da cidade
Já as águas que abastecem a Serra vêm de municípios vizinhos localizados nas montanhas capixabas. De Santa Maria de Jetibá e Santa Leopoldina escorre rio Santa Maria, o provedor de água para a maioria dos serranos. De Santa Teresa e Fundão desce o Reis Magos, que atende Serra Sede e entorno.
Felizmente em nenhum dos municípios das montanhas capixabas há mega fazendas de gado ou monocultoras como as do Centro-Oeste brasileiro. O que predominam são propriedades rurais pequenas de produção familiar, o que ajudou a segurar importantes fragmentos de mata Atlântica.
Mesmo assim há muito com o que se preocupar em relação ao abastecimento de água da Serra. Primeiro porque o clima está ficando mais quente e seco, com as chuvas concentradas em períodos menores. Segundo porque a demanda por água na cidade só cresce, enquanto políticas de reúso seguem incipientes ou ainda nas promessas.
E terceiro porque os fragmentos de mata Atlântica continuam sendo derrubados. E não só para a agricultura e criação de gado, mas também pela explosão de sitiantes que buscam comprar pequenas chácaras na região das montanhas, seja para ter como opção de lazer aos fins de semana, seja para morar lá, fugindo da poluição, calor e violência da Grande Vitória.
Serra e Grande Vitória sem água
A Serra e a Grande Vitória já sofreram com a superseca entre 2014 e 2016, quando faltou água até para o rodízio de abastecimento. A solução apresentada pelo governo do ES é construir uma barragem no rio Jucu, que abastece o sul a região metropolitana. Obra importante, mas que irá gerar mais impacto na bacia hidrográfica. O ideal é que seja acompanhada por amplo programa de reflorestamento.
Aliás, sem reflorestamento e adoção de modelo de produção agroflorestal, dificilmente haverá melhora no cenário hídrico. E nas áreas urbanizadas, é preciso implantar amplo programa de arborização, substituir o asfalto por pavimentos permeáveis, estabelecer regras para impedir que terrenos sejam totalmente concretados, deixando espaços para jardins que absorverão água da chuva e alimentarão o lençol freático.
Também é de muito bom tom que cessem aterros de áreas alagadiças, bem como dragagens sem critério de córregos e canais, o que só aumenta o ressecamento dos terrenos drenados pelos mesmos.
Revisão do modelo de desenvolvimento
O que se vê no momento é que as águas da Serra, do ES e do Brasil estão no corredor da morte. Com elas as matas e a nossa biodiversidade. Esse destino precisa ser mudado com ações de restauração da natureza combinadas com aplicação de novas tecnologias, muita inteligência tanto na gestão pública quanto na iniciativa privada. A Serra precisa agir localmente pensando globalmente.
No cenário de mudanças climáticas se agravando mais rápido do que previam os mais pessimistas cientistas, o atual modelo de desenvolvimento econômico de superconsumo e desenfreada especulação imobiliária precisa ser revisto. A não ser que o projeto das elites econômicas e políticas seja o fim da civilização e o desaparecimento de parte da humanidade.
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