O engenheiro Cláudio Denícoli é o responsável pelas Secretarias de Desenvolvimento Urbano (Sedur) e Meio Ambiente (Semma) da Serra, que vão virar uma só na reforma administrativa. Com experiência de já ter comandado a Semma entre 2009 e 2012, ter sido diretor do Instituto Estadual de Meio Ambiente e ainda ter sido gestor da pasta ambiental da Prefeitura de Cariacica, Denícoli faz duras críticas a gestão do esgoto e do abastecimento de água na Serra. Confira neste primeiro bloco da entrevista concedida ao Tempo Novo no último dia 09 de abril.
O senhor já está respondendo pelas secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, que na teoria ainda são duas. Elas serão uma só com a reforma administrativa?
Sim. Isso é uma atitude extremamente benéfica, não só para o município e para o desenvolvimento sustentável, mas para os próprios técnicos. Tem causado um aumento de capacitação entre eles muito grande. Porque isso eu vivi entre 2009 e 2012 quando fui secretário – e você acompanhou isso – problemas sérios de entendimentos entre os secretários de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano. O empreendedor não sabia para onde ir. Não havia alinhamento. E são secretarias completamente dependentes uma da outra. Se não houver entendimento você causa um obstáculo grande para o desenvolvimento sustentável do município.
Sem falar de que apesar de que era no mesmo andar, você transferir um processo de uma secretaria para outra demorava um mês. Agora não. Os técnicos trabalham juntos. É um avanço considerável na redução da burocracia, e no aumento da transparência e da eficácia.
Estamos no coração do município. Tudo passa lá. Autorização, licença, alvará. Somos a secretaria responsável pela instalação, pela ocupação do solo urbano da Serra. Que também desenvolve, planeja, cobra, fiscaliza. Isso atinge diretamente o cotidiano da população.
O que faz a parte de Meio Ambiente da secretaria?
Preservação de recursos naturais, ordenamento do planejamento ambiental do município. Mas o carro chefe, que mais gera demanda, é o licenciamento ambiental. Também fazemos fiscalização, notificação, multa, criação de unidades de conservação. Somos nós que administramos os parques urbanos municipais. E ainda fazemos educação ambiental, além de trabalharmos em interface com os órgãos estaduais. Para isso possuímos quatro gerências: Educação Ambiental, Licenciamento Ambiental, Recursos Naturais e Fiscalização Ambiental.
Qual é o valor do orçamento da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano para 2021?
São R$ 45 milhões considerando as duas secretarias. São recursos que englobam compensação ambiental, folha de pagamento. Nós já pedimos aí um contingenciamento de 25% para garantir a tranquilidade dos trabalhos neste ano de pandemia marcado por incertezas na economia. Então estamos fazendo esse contingenciamento de forma preventiva, revisando contratos e investimentos.
O senhor favou que o Meio Ambiente também é responsável pela gestão dos parques urbanos. Quais?
O Jardim Botânico (Horto Municipal) e o Parque da Cidade. Agora está entrando também outro parque, o Caminhos do Mar, que a Vale está construindo e irá doar ao município. Esse último nos preocupa, é uma área muito grande, nos preocupa pois vai gerar muito custeio, temos que achar formas de parceria com iniciativa privada para que a gente consiga ter receita, porque senão você engessa o município.
Quais são os crimes ambientais mais comuns flagrados pela secretaria?
São problemas de saneamento básico. De despejo irregular de resíduos sólidos nos pontos viciados a extravasamento de rede de esgoto, lançamentos indevidos, pouca eficácia das estações de tratamento de esgoto. Aliás, o maior problema ambiental é pouca eficácia do tratamento de esgoto da Serra, que é um município que está chegando a 550 mil habitantes. A evolução desse tratamento está muito abaixo do que é necessário.
Desde janeiro de 2015 o esgoto da cidade é gerido pela PPP Cesan/Ambiental Serra. Como o senhor avalia esses seis anos de PPP?
Tenho convicção que essa 1ª PPP vista pelo governo do Estado na gestão de Paulo Hartung como saída para os problemas de coleta e tratamento de esgoto na Serra, aconteceu por conta do trabalho que nós fizemos na identificação do problemas. Isso iniciou no momento em que assumimos a Secretaria de Meio Ambiente em 2009 tivemos problema na lagoa Maringá próximo a Manguinhos, no posto dos guardas, ela estava cheia de alface d’água. A vegetação cresce de acordo com o ambiente da água.
E aí as pessoas cobravam da empresa Antolini, achando que era ela por ser vizinha à lagoa. Então decidimos fazer um diagnóstico para saber o que estava acontecendo. Aí foi contratada uma empresa de renome na área ambiental pela própria Antolini através de uma condicionante. E identificou que quem estava contaminando a lagoa era a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) do Civit II. Aliás, continua contaminando até hoje porque nenhuma previsão de recuperação dos mananciais está prevista na PPP e isto é um um passivo muito grande gerado pela Cesan.
Ainda naquela ocasião de 2009 começamos a investigar e vimos que 100% das ETE´s funcionavam de forma inadequada. Aí começou todo esse questionamento à Cesan. Então o governo resolveu estabelecer uma PPP. Essa PPP nós entendemos que claramente é uma solução para que a gente possa ter os investimentos necessários para que o Estado hoje não tem condições.
Mas os problemas que o senhor apontava na sua gestão entre 2009 e 2012 persistem. Como o município pode intervir?
O grande erro nessas PPP´s, não só a da Serra como a de Vila Velha e a que estão fazendo agora em Cariacica – e tenho falado isso há bastante tempo – é o poder público municipal não participar disso. Quem está elaborando as PPP´s é a própria Cesan, que já tinha passivos e metodologia questionável.
O Meio Ambiente da Serra tem previsão de quando vai analisar a qualidade do esgoto tratado que a PPP está despejando nos mananciais?
Já abrimos processo licitatório para analisar afluentes, efluentes e pontos de lançamento do líquido que sai das ETE´s. Para que a gente comprove o que estamos falando. Não tenho dúvida nenhuma que das 22 Estações de Tratamento de Esgoto em operação na Serra todas lançam efluentes com indicadores acima do padrão permitido.
Até mesmo a ETE Manguinhos que é mais nova e usa tecnologia mais avançada?
Até essa que é a melhor que tem. E a ETE Manguinhos é só uma dentre 22. Eu não vejo nenhuma melhora contundente dessa PPP. Não vejo nenhum investimento nas estações de tratamento, onde deveria ser o primeiro aporte de recursos e depois vindo fazer as redes coletoras. Houve uma inversão. Nesses seis anos se fez rede coletora no município todo para arrecadar valores dos contribuintes, sendo que não devolveu o serviço adequado de tratamento de esgoto. Você está pagando por um serviço que não está sendo realizado, essa é a verdade. Esse modelo a gente não concorda de forma nenhuma. Inclusive existe uma cláusula contratual que está sendo infringida que no próprio plano de saneamento do município indicou que – isso em 2013 – que em quatro anos a PPP deveria reduzir para oito estações de tratamento, mais modernas, com eficácia maior. Já se passaram seis anos. E o contrato de concessão do município com a Cesan prevê que tenha que se cumprir o plano municipal de saneamento.
O senhor enxerga algum movimento por parte da PPP no sentido de cumprir esse item?
Não. Nem mesmo iniciaram licenciamento ambiental para redução do número de ETE´s. Não há absolutamente nada. Não vejo nem a médio prazo uma solução para o tratamento de esgoto eficaz como a gente merece no município da Serra. A gente não sabe onde tem sido feitos os investimentos, o município está à revelia de todo esse processo.
A Cesan também tem protagonizado polêmicas em relação ao serviço de abastecimento de água. Interrupções constantes, alterações de cheiro, cor, gosto, envio de água salobra para a Serra Sede. E, mais recentemente, a própria Secretaria Municipal de Saúde (Sesa) trouxe à tona o caso do excesso de derivados de cloro na água fornecida entre dezembro de 2016 e dezembro de 2020. Como o senhor vê isso?
O município está extremamente preocupado. Isso foi uma solicitação da nossa Sesa que a própria Agência Estadual de Recursos Hídricos (AGERH) apurou e confirmou. Falou que a água está sendo distribuída com adição de componentes químicos acima do permitido, que podem ser cancerígenos. Isso é um disparate com a população. Infelizmente tentei levar esse diálogo ‘n’ vezes com a Cesan – inclusive essa denúncia que a própria Agência Estadual confirmou – a Cesan insiste em dizer que não é verdade. Não assume que existe problema e tão pouco busca debater solução abertamente. Apenas utiliza um gasto exorbitante com publicidade, ‘Poupe água, poupe a natureza’. Aliás, o setor de marketing é digno de aplauso, pois consegue maquiar um problema seríssimo que a população tem, o péssimo serviço prestado no município.
Diante desse cenário a gestão Vidigal cogita rever a concessão da Cesan no município?
Isso eu já levei ao Prefeito. Tenho conversado com alguns vereadores que entendem do tema. A situação é insustentável. Praticamente toda semana tem um problema de extravasamento de rede (de esgoto), tem um problema de lançamento indevido. Outro dia ouve extravasamento dentro de uma ETE desativada pela Cesan em Cidade Continental, foi multada pela Secretaria. Não tem como trabalhar se não houver uma revisão nesse contrato de concessão.
A parte técnica já está clara, há uma ineficácia do tratamento de esgoto no município. Agora é uma questão mais política, de rever contrato, já pedi ao nosso prefeito uma reunião com nosso governador Casagrande, vários vereadores estão mobilizados. Vamos tentar uma revisão rápida, porque o prejuízo para o município está muito grande.
Quando se falou da PPP na Serra, eu não estava mais secretário, porem achei fantástico e vibrei muito com a situação. Tive uma ilusão de que teria um aporte muito grande de investimento da empresa que ganhou a concessão, não só da ampliação e melhoria do tratamento, mas também na recuperação dos nossos mananciais. Isso não aconteceu de forma nenhuma. Então não consigo entender o benefício da PPP para o município da Serra.
O contrato da PPP prevê gestão do esgoto por 30 anos….
Se houvesse realmente um aporte de recursos significativo, poderia pegar uma concessão de 100 anos e não 30. Mas esse aporte não ocorreu. Para você ter uma ideia, estamos num debate de uma anuência que a concessionária quer para a ETE de Furnas, para que a gente autorize o lançamento indevido de esgoto em padrão muito abaixo do padrão para que eles peguem investimento do setor público, no Bandes e no BNDES. Eu não entendo para quê uma PPP se o dinheiro para investir vai ser público. Então para mim essa situação contratual tem de ser revista imediatamente. Mas é um processo político que está além de meu alcance. Quero lembrar ainda que a maior parte das multas ambientais que aplicamos em 2021 foi por lançamento indevido e extravasamento das redes da concessionária. E ela não paga, busca sempre entrar com recurso.
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