Dando continuidade ao tema Coronavirus (COVID-19) na perspectiva do direito, dessa vez sob o aspecto do direito constitucional, será feita a analise do direito de decretos estaduais e municipais, com a justificativa de defesa da saúde publica, suprimirem alguns direitos e liberdades individuais que são garantidos pela Constituição Federal de 1988 (CF/88).
Sem adentrar na questão política-ideológica, alguns decretos de governos estaduais, tem mostrado aspectos flagrantemente inconstitucionais que, ainda assim, acabam sendo postos em prática pelos agentes públicos dos estados, com a anuência de uma população que, aterrorizada, não vê ou não quer ver, que suas liberdades individuais estão sendo aviltadas.
Não se questiona a necessidade de cuidados para se conter o avanço da pandemia do Coronavirus (COVID-19), apenas que as medidas tomadas, sem a necessária adequação legislativa, ferem garantias constitucionais de primeira ordem, como o direito de ir e vir. Artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal.
“É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”
Alguns estados e municípios estão, através de decretos executivos, determinando o fechamento de estradas que ligam um estado a outro, o fechamento de aeroportos e rodoviárias, além de outras ações de isolamento como a proibição de circulação de pessoas em vias públicas e o toque de recolher (caso de uma cidade em Santa Catarina).
Entretanto, sob a ótica da legalidade, esses decretos que determinam tais medidas são flagrantemente ilegais por desrespeitarem o mencionado artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, e por também desrespeitarem os artigos 136,137 e 139 da Constituição Federal, que preveem a decretação do estado de sítio e estado de defesa, como únicos instrumentos legais para justificar a suspensão temporária e extraordinária de direitos e garantias fundamentais, como o da liberdade de locomoção.
É necessário que se tenha em mente que para a adoção de medidas restritivas tão severas, dois princípios devem ser respeitados, o da necessidade (situações de extrema gravidade que demandem adoção de medidas excepcionais); e o da temporariedade (prazo determinado para duração do estado de legalidade extraordinária). Sem a ocorrência simultânea desses dois princípios, o estado de exceção configura medida arbitrária.
O artigo 136 da Constituição federal (CF) prevê o estado de defesa, que só pode ser declarado pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, com a respectiva aprovação do Congresso Nacional em até 24 (vinte e quatro) horas, para a preservação da ordem pública ou a paz social, que estejam sendo ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional, ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
No caso da decretação do estado de sítio, art. 137 da CF, após serem ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, com a devida autorização do Congresso Nacional, que só se justificaria pela ocorrência de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, ou a declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, poderiam ser tomadas medidas de suspensão temporária de garantias constitucionais como, a obrigação de permanência em localidade determinada; suspensão da liberdade de reunião; busca e apreensão em domicílio; intervenção nas empresas de serviços públicos; requisição de bens.
Aqui no Estado, para ficarmos apenas com um exemplo, o Prefeito de Cariacica, no Decreto de número 062, de 21 de março de 2020, em seu artigo 1º, inciso III, decreta: “fica proibida a circulação de pessoas nas vias públicas, salvo aquelas que tenham a necessidade imediata de deslocamento para: a) ida ou retorno ao trabalho ou serviço médico; e b) compra de produtos essenciais e de primeira necessidade; c) abastecimento de veículos para utilização nos termos das alíneas anteriores.”
Decreto ilegal que pode, se efetivamente levado a cumprimento por agentes públicos através de força coativa (física ou moral), gerar responsabilização administrativa, criminal e cível contra o chefe do executivo daquele município.
Fica, portanto, evidente que decretos municipais e estaduais, não possuem legitimidade para impor ao cidadão comum restrições de liberdade de locomoção, reunião, ou qualquer outra que faça parte dos direitos e das garantias individuais, previstas constitucionalmente.
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