Mestre Álvaro
Yuri Scardini é autor do livro 'Serra: a história de uma cidade' e escreve sobre política e economia

Sem acusação real, flagrante ou autorização judicial, Muribeca dá ordem de prisão a servidor— cuidado: amanhã pode ser você

Pablo Muribeca Serra Sine da Serra Polícia Delegacia
Crédito: Divulgação

Na manhã dessa sexta-feira, um caso raramente visto no Espírito Santo lamentavelmente ocorreu na Serra. Um opositor político do grupo do deputado Pablo Muribeca foi levado no camburão da Polícia Militar, sem nenhuma acusação real, sem nenhum tipo de flagrante, sem o respaldo de órgão de investigação algum e sem autorização judicial.

O servidor em questão é o subsecretário de trabalho, emprego e renda, Renato Ribeiro, que nos dias livres é professor, fundador e voluntário do maior projeto de pré-vestibular gratuito da Serra, tendo ajudado 5 mil alunos de baixa renda a se prepararem para as provas. A subsecretariara comanda por Ribeiro tem apresentado um bom desempenho; resultado disso é que no mês passado, a Serra foi a 1ª na geração de empregos do ES, representando 30% de todos os postos de trabalho gerados no estado.

Renato é uma liderança no bairro Barcelona, local onde o aliado de Muribeca, o vereador Prof. Arthur, tenta entrar. Muribeca, conhecido por gerar tumultos nas repartições públicas e por suas publicações nas redes sociais, como TikTok, deu voz de prisão ao subsecretário – conforme seus vereadores aliados publicaram em vídeos. Para a surpresa de poucos, quem apareceu para executar a ordem do deputado foi um policial reconhecidamente aliado dele, que participou da campanha de Muribeca e é comumente visto ao lado do parlamentar.

Muribeca e os vereadores Anderson Muniz, Darcy Júnior e Prof. Arthur precisam agora explicar e detalhar sob quais argumentos, provas e indícios reais dirigiram-se até o Sine da Serra, numa operação clandestina criada por eles mesmos, intitulada ‘Operação Peixada’, sem respaldo de órgãos como o Ministério Público ou a Polícia Civil; e por que conduziram ilegalmente um servidor público no exercício funcional de seu cargo, utilizando uma força policial com notória relação pessoal, além de promover um achincalhamento público virtual sem apresentar até o momento nenhum indício de ato de ilegalidade supostamente cometido pelo servidor.

O Brasil é regido por normas e leis, e não há na legislação autorização para que opositores sejam conduzidos por policiais privados sem ao menos um flagrante. Agora, após o espetáculo nas redes sociais montado para guilhotinar o professor Renato, as repercussões legais e institucionais devem surgir. Inclusive a corregedoria da Polícia Militar precisa dar uma resposta à sociedade. Afinal, o Espírito Santo já viu no passado deputados agindo como júri, juiz e executor, e não terminou nada bem para o estado.

A nota da Polícia Civil é explícita: “A Polícia Civil informa que o servidor municipal, levado à Delegacia Regional de Serra, foi ouvido e liberado pela autoridade policial, visto que após análise não foi possível concluir se houve crime. Diante da falta de elementos conclusivos e da necessidade de apuração mais detalhada, não foi adotado nenhum procedimento flagrancial contra os envolvidos. Será encaminhada uma cópia dos autos para as Corregedorias da Assembleia Legislativa (Ales) e da Polícia Militar (PMES) para conhecimento e providências cabíveis.”

É preciso que as instituições respondam a este flagrante ato de abuso de poder, intimidação e autoritarismo. Na tentativa de desgastar o prefeito da Serra, Sérgio Vidigal, visando a sua própria eleição em 2024, Muribeca excedeu seu papel, sua função e suas prerrogativas institucionais, e, antes de tudo, maculou a honra de uma pessoa, um professor que é pai, filho e cidadão, sem ao menos apresentar qualquer elemento factível; e mesmo que tivesse, também não seria esse o procedimento adequado. Na noite da sexta-feira, a reportagem conversou com Renato Ribeiro, que relatou a apreensão vivida por seus pais, de mais de 90 anos, e seu filho, de 8 anos, angustiado e em estado de sofrimento, sabendo que seu pai havia sido “preso”, conforme divulgado pela equipe de Pablo.

Quando a reportagem do Tempo Novo procurou o parlamentar para comentar o assunto e obter sua versão dos fatos, ele optou por mais uma das diversas tentativas de coagir e intimidar o jornalista e o veículo de comunicação. É preciso manter-se vigilante, pois neste episódio de sexta-feira (17), o professor Renato Ribeiro foi conduzido a uma delegacia sem qualquer indício que sustentasse essa ação. Amanhã pode ser este mesmo jornalista que vos escreve, ou mesmo você, leitor, que está lendo este texto.

Evidentemente, ninguém está acima de críticas, seja um governo, um político ou mesmo a atividade jornalística. Na semana passada, o próprio vereador Darcy Júnior questionou uma reportagem publicada pelo Tempo Novo. Isso é normal, pois a imprensa não detém o monopólio da verdade. Além disso, a fiscalização é parte das funções do Legislativo, mas deve ser sempre realizada com responsabilidade, legalidade, proporcionalidade e impessoalidade. Assassinar reputações não é uma função de vereadores e deputados, muito menos conduzir operações ilegais. Neste caso, a questão é menos subjetiva e mais prática, e a sociedade precisa responder e fazer valer as regras que a regem.

Imagine um deputado aspirante a prefeito agindo dessa forma. Surge a dúvida: como ele agiria se fosse efetivamente o prefeito? Por exemplo, qual seria o nível de pressão sobre a Guarda Municipal para agir como guarda pessoal do hipotético futuro prefeito? Se já está dando voz de prisão a opositores, imagine o que faria sentado na cadeira de prefeito contra quem legitimamente o questionasse e criticasse. Além disso, tudo que não se alinha à sua narrativa é rotulado por Muribeca como ‘fake news’.

Aliás, no final desse mês, Pablo vai se filiar no Republicanos, soa até ironia, já que esse episódio protagonizado por ele é tudo, menos republicano, já que numa República ninguém tem polícia privada e muito menos goza de autoridade absoluta. No passado, a Serra foi a porta de entrada para aquele grupo que se instalou na Assembleia no início dos anos 1990; manter-se vigilante sobre os acontecimentos no município é uma obrigação.

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