Ao norte da Grande Vitória, as cidades de Aracruz e Linhares têm dinamizado suas economias com a expansão de um grande complexo portuário e industrial, impulsionadas também pelas políticas de incentivos públicos, tais como a Sudene e a nova Zona de Processamento de Exportação. Ao sul, a economia do petróleo descarrega milhões em royalties em Marataízes, Presidente Kennedy e Itapemirim, três cidades pequenas que viram seu orçamento per capita disparar, alcançando o topo do ranking capixaba.
Enquanto isso, na Grande Vitória, que é o centro do poder político e econômico do Espírito Santo, a Serra parece ter assumido uma posição de destaque no que se refere a obras estruturantes. Isso pode compensar economicamente a interiorização dos investimentos públicos e privados. Tais investimentos têm vindo, em grande parte, na forma de novas ou melhoradas rodovias, estradas e acessos. Na prática, já está em curso o terceiro ciclo rodoviário da cidade. Algumas obras já saíram do papel, como a nova Rotatória do Ó e o Complexo Viário de Carapina, mas os projetos promissores são os Contornos do Mestre Álvaro e de Jacaraípe (ambos em execução), além da terceira ligação entre Serra e Vitória (em fase de projeto).
Quando elevada à condição de cidade, em 1875, a Serra era uma cidade pequena e de difícil acesso. Por terra, não havia muitas soluções transitáveis; a única via carroçável era a estrada geral da costa, que anos antes os exploradores Maximiliano Wied e Auguste de Saint-Hilaire relataram como tendo péssimas condições. Esta estrada bifurcava-se em outras pequenas estradas, ainda mais precárias, para chegar ao distrito de Carapina e a Serra Sede. Naquele período, os caminhos mais viáveis para se deslocar eram fluviais, por meio do Canal dos Escravos (que existe até hoje) e o Rio Santa Maria da Vitória, através da Freguesia de São José do Queimado.
A primeira grande mudança ocorreu no início da década de 1920; nesse período, o modal fluvial estava em declínio, o que gerou um isolamento logístico da Serra. Quando assumiu o poder no estado em maio de 1920, o governador Nestor Gomes designou o secretário do Interior e Justiça para construir uma estrada entre Serra e Vitória. Assim, a primeira via terrestre minimamente estruturada entre as duas cidades foi estabelecida. Os governadores subsequentes a Nestor Gomes, tanto Florentino Ávidos (1924) quanto Aristeu Borges de Aguiar (1928), investiram em melhorias das estradas de rodagem, tanto entre Serra e Vitória, quanto entre Serra e Nova Almeida – que na época não era território serrano. Esse primeiro ciclo rodoviário se encerrou com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder no Brasil e o estabelecimento de um interventor no Espírito Santo.
Daí em diante, a Serra só viu novos investimentos estruturantes em rodovias nas décadas de 70 e 80, um período marcado pela construção do atual traçado da BR-101 e da Avenida Norte Sul; pela pavimentação da ES-010 e pela criação de vias internas, como a Avenida Eldes Scherrer de Souza (ex-Avenida Civit), por exemplo. Esse segundo ciclo rodoviário foi impulsionado pelas políticas de investimento em infraestrutura rodoviária do Regime Militar e pelas articulações, principalmente do ex-prefeito João Batista da Motta, especialmente durante seu primeiro mandato (1982 – 1988).
Desde então, não houve investimentos que estabelecessem um novo marco na Serra, embora, isoladamente, tenham ocorrido obras de grande importância, como a Avenida Audifax Barcelos (Serra x Jacaraípe). Contudo, a Serra parece estar à beira de um terceiro ciclo de entregas viárias, que, em conjunto, podem dar um novo ímpeto ao desenvolvimento econômico, abrir caminho para novos eixos urbanos e de negócios, além de proporcionar um novo desenho de ocupação na cidade.
O maior deles, que deve ser inaugurado ainda este ano, é o Contorno do Mestre Álvaro, que promete ressignificar o lado oeste do Mestre Álvaro, região que sofreu um processo de desocupação urbana desde o desmonte de São José do Queimado. Após 100 anos, a Serra poderá redescobrir os potenciais da faixa oeste do município, área de exuberantes belezas naturais, que, se bem administrada com o desenvolvimento econômico, pode criar outro corredor de novos negócios, seja no setor agrícola, de logística e serviços, ou mesmo da indústria e do turismo. O investimento, realizado com recursos do Governo Federal, é um projeto que levou 30 anos para ser executado e entregue.
Quando inaugurado, haverá um duplo benefício, pois a BR-101 será transferida para lá, em uma das vias mais modernas do Brasil, enquanto a atual rodovia será municipalizada, repassando a gestão para a Prefeitura da Serra. Isso é uma oportunidade de repensar uma via até então subutilizada pela falta de investimentos federais e também da concessionária responsável, a Eco-101.
Outro contorno, o de Jacaraípe, promete revitalizar o litoral serrano. A obra, executada pelo Governo do Estado, deve ser entregue até o final do mandato de Renato Casagrande à frente do Palácio Anchieta. Trata-se de outra rodovia na faixa mais a oeste da Serra, que pode acarretar uma nova dinâmica urbana e de ocupação para uma área pouco explorada. O Contorno de Jacaraípe visa desviar o trânsito de caminhões pesados e carros de passagem da Abdo Saad, devolvendo ao litoral sua maior vocação, o turismo.
Além disso, a nova rodovia passará pelo imenso eucaliptal da Suzano (ex-Fibria/ex-Aracruz Celulose), o que pode pressionar a gigante de celulose a vender essas áreas, que não contribuem com empregos, negócios ou biodiversidade para o município. Recentemente, durante a inauguração do Complexo Viário de Carapina, o governador Renato Casagrande disse a este colunista que é intenção do Governo do Estado abrir negociações com a Suzano, visando atuar como um vetor de desenvolvimento para a dinamização daquela região a partir do novo Contorno de Jacaraípe.
Essas duas macroobras já estão em fase avançada de execução, que, em breve, se somarão a outras já entregues, como o Complexo Viário de Carapina (obra do Governo do Estado) e a nova Rotatória do Ó (obra da Prefeitura da Serra). Além delas, outros investimentos importantes ainda em fases iniciais podem agregar significativamente a este terceiro ciclo de investimentos viários, como o Binário da Norte Sul. Esse projeto vai não só estabelecer um novo modelo de tráfego veicular em Jardim Limoeiro, com mão única na Norte Sul e na Avenida Lourival Nunes, mas também revitalizar uma das regiões mais socialmente complexas da Serra. Esta obra já está em andamento, tendo começado pelo laborioso serviço de recapeamento asfáltico nas ruas internas.
Mas a principal novidade deste ano foi o anúncio do prefeito Sergio Vidigal sobre as intenções de construir uma terceira via ligando Serra a Vitória, paralela à Norte Sul, iniciando no litoral sul, na região de Carapebus, passando por dentro do Complexo de Tubarão e terminando no litoral norte da capital. Esse é um projeto discutido há anos, mas que nunca antes reuniu condições para sua execução. Desta vez, Vidigal revelou estar em conversas avançadas com a mineradora Vale para que as áreas do traçado da nova rodovia sejam doadas ao município. Já existe um pré-projeto, e o processo de licitações deve começar em breve. Esse investimento pode reconectar o litoral sul da Serra com Vitória, região que ficou isolada desde os anos 1960 com o início da construção do Porto de Tubarão. Há expectativa de que aconteça um fenômeno similar ao registrado na região da Praia da Costa, em Vila Velha, que, após a inauguração da Terceira Ponte, experimentou um boom imobiliário.
Por fim, há outros projetos em andamento, como a duplicação da Avenida do Civit I (obra já contratada), que devem contribuir para a redução dos gargalos urbanos. Todos esses investimentos, uma vez concretizados, podem não apenas representar o terceiro ciclo rodoviário da Serra, mas também o maior deles. Na prática, são novas oportunidades que se avizinham, e se o poder público souber gerir e aproveitar esses novos ou aprimorados vetores de desenvolvimento, a Serra pode estar na iminência de outro surto imobiliário e de novos negócios impulsionando a economia local.
O crescimento econômico da Serra não é apenas importante, mas fundamentalmente necessário, considerando o contínuo crescimento populacional da cidade. Assim, a arrecadação precisa acompanhar esse ritmo para evitar o retorno de déficits públicos já superados. Para se ter uma ideia, entre os Censos Demográficos de 2010 e 2022, a Serra cresceu mais de 100 mil habitantes, um aumento de 24% em pouco mais de dez anos. A Serra foi a 12ª cidade brasileira com maior expansão populacional no período. Esse crescimento continua atraindo moradores com grande dependência por serviços públicos, o que torna o desenvolvimento econômico uma obrigação para o município, pois naturalmente isso gera retorno orçamentário, e se tratando de investimentos em infraestrutura rodoviária é um benefício de que vai se perpetuar por muitas décadas.