Mestre Álvaro
Yuri Scardini é autor do livro 'Serra: a história de uma cidade' e escreve sobre política e economia

‘Terceira onda’ rodoviarista da Serra intensifica pressão imobiliária sobre os eucaliptais da Suzano


Antiga Aracruz Celulose, agora Suzano: proprietária de quase 10% do território da Serra, enfrenta pressão pelo avanço das novas rodovias.

Quando elevada à condição de cidade, em 1875, a Serra era um município pequeno e de difícil acesso. Por terra, não havia muitas vias transitáveis; a única estrada carroçável era a estrada geral da costa. Essa via cortava o litoral e se bifurcava em outras pequenas estradas, ainda mais precárias, que levavam ao distrito de Carapina e à Serra Sede. Naquele período, os caminhos mais viáveis para deslocamento eram fluviais, utilizando o Canal dos Escravos (ainda existente) e o rio Santa Maria da Vitória, passando pela Freguesia de São José do Queimado.

A primeira grande transformação ocorreu no início da década de 1920, quando o modal fluvial entrou em declínio, isolando logisticamente a Serra. Em maio de 1920, ao assumir o governo do estado, o governador Nestor Gomes designou o secretário do Interior e Justiça para construir uma estrada ligando Serra e Vitória. Assim, foi criada a primeira via terrestre minimamente estruturada entre as duas cidades. Governadores subsequentes, como Florentino Ávidos (1924) e Aristeu Borges de Aguiar (1928), investiram na melhoria das estradas de rodagem, tanto entre Serra e Vitória quanto entre Serra e Nova Almeida, que na época ainda não pertencia ao território serrano. Esse primeiro ciclo rodoviário se encerrou com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder no Brasil e o estabelecimento de um interventor no Espírito Santo.

Somente na década de 1960, a Serra voltou a receber investimentos significativos em rodovias. Esse período foi marcado pela construção do atual traçado da BR-101, pela criação da Avenida Norte-Sul, pela pavimentação da ES-010 e pela abertura de vias internas, como a Avenida Eldes Scherrer de Souza (antiga Avenida Civit), em meio aos grandes projetos habitacionais. Esse segundo ciclo rodoviário foi impulsionado pelas políticas de infraestrutura do Regime Militar e pelas articulações do ex-prefeito João Batista da Motta, especialmente durante seu primeiro mandato (1982–1988).

Desde então, não houve investimentos estruturantes que marcassem uma nova era na Serra. Ainda assim, obras isoladas de grande importância, como a Avenida Audifax Barcelos (ligação Serra–Jacaraípe), contribuíram para a melhoria da infraestrutura viária. Atualmente, a Serra está entrando em um terceiro ciclo de entregas viárias que, em conjunto, prometem impulsionar o desenvolvimento econômico, abrir novos eixos urbanos e de negócios e redefinir o desenho de ocupação da cidade.

O investimento em infraestrutura rodoviária é fundamental para a Serra. Diferentemente de Vila Velha e Vitória, onde o capital privado determina grande parte das ações públicas, na Serra o vetor de desenvolvimento é predominantemente público, criando oportunidades para investidores a partir de ações governamentais.

Entre as obras já concluídas estão a nova Rotatória do Ó, o Complexo Viário de Carapina, o Contorno do Mestre Álvaro, a revitalização da Avenida Talma, o Binário da Norte-Sul e o Sistema Viário Sérgio Rogério de Castro (Civit I). Essas iniciativas se somarão a projetos promissores, como o Contorno de Jacaraípe (com inauguração prevista para fevereiro de 2025), a terceira ligação entre Serra e Vitória (cujo pedido de empréstimo está no Senado), a Variante de São Domingos (com ordem de serviço prevista para este ano) e a municipalização da BR-101, que deve ocorrer em 2025. Esta última permitirá a execução de diversas melhorias, como mergulhões e passagens de nível; entre outras obras.

Esses investimentos colocam a Serra no terceiro ciclo rodoviário de sua história, exercendo pressão especial sobre a Suzano, gigante da celulose que detém cerca de 10% do território do município. Essa área inclui a grande mancha verde que separa Jacaraípe de Nova Almeida, abrangendo todo o vale da Lagoa Juara até as beiradas do Mestre Álvaro.

Dois projetos rodoviários em especial serão responsáveis por essa pressão: o Contorno de Jacaraípe e a Variante de São Domingos. Os traçados dessas novas vias atravessam os eucaliptais da multinacional e têm, entre seus objetivos, a expansão das áreas ocupadas na cidade, com a destinação de terrenos para indústrias, corredores logísticos e outros empreendimentos.

As áreas pertencentes à Suzano eram, originalmente, parte da antiga Aracruz Celulose, que posteriormente se tornou Fibria e, atualmente, Suzano. No início da década de 1970, a Aracruz Celulose adquiriu vastas extensões de terra a preços ínfimos em uma Serra que começava a dar seus primeiros passos rumo à transformação industrial. Essas terras foram destinadas à expansão das plantações de eucalipto, que abastecem a unidade da empresa em Aracruz, recebendo madeira extraída em um raio de até 150 km.

Agora, toda essa área será atravessada por dois grandes eixos viários. O Contorno de Jacaraípe, por exemplo, pretende conectar o Civit II a Nova Almeida, com a possibilidade de, em uma segunda etapa, ligar essas áreas diretamente aos portos de Aracruz. A via passará por fora de Jacaraípe, transformando esse novo eixo em uma retroárea para as atividades portuárias centralizadas em Aracruz. A pressão imobiliária já chegou à empresa. Tanto o governador Renato Casagrande quanto o vice-governador Ricardo Ferraço e o prefeito eleito Weverson Meireles já afirmaram ao Tempo Novo que pretendem estabelecer um diálogo com a Suzano para criar um entendimento de que a cidade precisa avançar no processo de ocupação e que os eucaliptais não devem ser uma barreira para esse desenvolvimento.

Assim como o Contorno de Jacaraípe, a Variante de São Domingos atravessará os eucaliptais, interligando Jacaraípe à Serra Sede. Essa conexão permitirá que todas as comunidades tradicionais localizadas na faixa continental centralizada no centro administrativo da cidade tenham mais acesso ao litoral sem a necessidade de contornar o município, o que pode impulsionar um novo boom imobiliário na região, tanto para empreendimentos residenciais quanto comerciais. Na prática, será possível sair da Serra Sede e chegar à praia em 10 minutos, ou vice-versa.

A Suzano, conhecida por políticas imobiliárias restritivas, não é vista no mercado como um ente necessariamente fácil no trato. No entanto, é evidente que a Serra da década de 1970, quando a Aracruz Celulose começou a adquirir terras, já não existe mais. Um novo fenômeno urbano está emergindo com essa terceira onda de investimentos em infraestrutura rodoviária.

O oeste de Jacaraípe será dinamizado pela implantação do ParkLog, enquanto a Serra Sede busca expandir a leste, aproximando-se do litoral. Esse movimento é irreversível, especialmente considerando o adensamento do distrito de Carapina, que intensifica a pressão imobiliária sobre essas áreas.

Embora se trate de áreas privadas, o interesse público pode sobrepor-se ao privado em situações estratégicas. Este será, sem dúvida, um debate aprofundado nos próximos anos, e a Suzano terá que participar ativamente da discussão.

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