A cada 7 minutos uma criança ou um adolescente, entre 10 e 19 anos de idade, morre em algum lugar do mundo, vítima de homicídio ou de alguma forma de conflito armado ou violência coletiva. Somente em 2015, a violência vitimou mais de 82 mil meninos e meninas nessa faixa etária. Os dados são do relatório Um Rosto Familiar: A Violência na Vida de Crianças e Adolescentes, lançado hoje (1) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A América Latina e o Caribe têm os mais altos índices de homicídios. Em 2015, dos 51,3 mil homicídios de meninas e meninos de 10 a 19 anos – não relacionados a conflitos armados –, mais da metade, 24,5 mil, aconteceram nessa região. “Esses números se mostram desproporcionais considerando que tal conjunto de países abriga pouco menos de 10% da população nessa faixa etária”, diz o Unicef.
A região da América Latina e do Caribe tem uma taxa de homicídios de adolescentes entre 10 e 19 anos (22,1 homicídios para cada 100 mil adolescentes) quatro vezes maior do que a média global. Os cinco países com as maiores taxas estão todos na América Latina: Venezuela, com uma taxa de 96,7 mortes para cada 100 mil, seguida pela Colômbia (70,7), por El Salvador (65,5), por Honduras (64,9) e pelo Brasil (59).
Vários fatores individuais são vinculados a um aumento do risco de homicídio, incluindo a raça. No Brasil, em 2014, a taxa de homicídios entre adolescentes homens negros foi quase três vezes maior que entre os brancos. Segundo o relatório, entretanto, esses adolescentes tendem a viver em comunidades com níveis mais elevados de homicídio, com desigualdade social e de renda, disponibilidade de armas, presença de tráfico de drogas, uso generalizado de drogas e álcool, falta de oportunidades de emprego e com desorganização e segregação urbana.
A região mais segura do mundo para um adolescente é a Europa Ocidental com 0,4 morte para cada 100 mil.
O documento do Unicef traz uma análise detalhada das mais diversas formas de violência sofridas por crianças e adolescentes em todo o mundo: violência disciplinar e violência doméstica na primeira infância; violência na escola – incluindo bullying; violência sexual; e mortes violentas de crianças e adolescentes.
Segundo o relatório, todas as formas de violência vivenciadas por meninas e meninos, independentemente da natureza ou gravidade do ato, são prejudiciais. “Além da dor e do sofrimento que causa, a violência mina o senso de autoestima das crianças e dos adolescentes e impede seu desenvolvimento. A impunidade dos autores e a exposição prolongada à violência podem fazer com que as vítimas acreditem que a violência é normal. Dessa forma, a violência é velada, dificultando sua prevenção e sua superação”, diz.
Primeira infância
Para o representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, é preciso interromper a violência, começando pelo castigo corporal na primeira infância, que atinge todas as classes sociais. Aproximadamente 300 milhões de crianças de 2 a 4 anos de idade em todo o mundo (três em cada quatro) sofrem, regularmente, disciplina violenta por parte de seus cuidadores; 250 milhões (cerca de seis em cada dez) são punidas com castigos físicos.
“Os homicídios muitas vezes são só a última etapa em um ciclo de violência a que crianças e adolescentes estão expostos desde a primeira infância. O relatório nos diz que a maioria dos homicídios contra adolescentes não acontece em países que estão em conflito, como Síria, mas nos países da América Latina e do Caribe, e o Brasil encontra-se entre aqueles com as taxas mais alta de homicídios de adolescentes do mundo”, aponta o representante da Unicef em nota.
O Brasil é citado no relatório como um dos 60 países que têm uma legislação que proíbe o castigo físico. A Lei da Palmada (Lei nº 13.010/2014), também conhecida como Lei Menino Bernardo, foi aprovada em 2014 no país. Apenas 9% das crianças com menos de 5 anos em todo o mundo vivem nesses países, o que deixa outros 607 milhões sem uma proteção legal contra esse tipo de violência.
Em todo o mundo, 1,5 bilhão de cuidadores (mais de um em cada quatro) dizem que o castigo físico é necessário para criar ou educar adequadamente as crianças. Uma em cada quatro crianças menores de 5 anos – 177 milhões – vive com uma mãe vítima de violência doméstica.
Conflitos armados
O relatório também faz uma análise sobre mortes de adolescentes em decorrência de violência coletiva ou conflitos armados. Além de morrer no fogo cruzado, os adolescentes desses locais vivem o risco de trauma psicológico ou emocional de ser recrutado ou usado por forças ou grupos armados.
Em 2015, foram cerca de 31 mil mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos nesse tipo de contexto de violência. Enquanto 6% das crianças e adolescentes de 10 a 19 anos do mundo vivem no Oriente Médio e Norte da África, as duas regiões concentram 70% das mortes nessa faixa etária.
Violência nas escolas
Uma vez que as crianças entram na escola, amizades e interações com colegas assumem um papel cada vez mais importante em suas vidas. Esses relacionamentos têm o potencial de contribuir para o bem-estar e capacidade de socialização de uma criança mas também estão associados à exposição a novas formas de vitimização.
A metade da população de crianças em idade escolar – 732 milhões – vive em países onde o castigo corporal na escola não está totalmente proibido. Além disso, em todo o mundo, cerca de 130 milhões (mais de um em cada três) estudantes entre 13 e 15 anos sofrem bullying regularmente. No Brasil, 43% de meninos e meninas do 6º ano (11 e 12 anos) disseram que sofreram bullying nos últimos meses. Segundo relatório, e eles foram roubados, insultados, ameaçados, agredidos fisicamente ou maltratados.
Os ataques armados às escolas estão incluídos como uma das seis violações graves condenadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em 2016, foram registrados aproximadamente 500 ataques ou ameaças de violência contra escolas em 18 países ou áreas ao redor do mundo. Nos últimos 25 anos, 59 tiroteios, que deixaram pelo menos uma pessoa morta, foram registrados em 14 países. A maioria desses incidentes, 43 deles, aconteceram nos Estados Unidos.
Violência sexual
A violência sexual contra crianças ocorre em países de todos os níveis de desenvolvimento e renda e pode afetar crianças de todas as idades e em diferentes contextos. Ambos, os meninos e as meninas, podem ser alvo de violência sexual, mas as meninas, geralmente, estão em maior risco.
De acordo com o relatório do Unicef, em todo o mundo, cerca de 15 milhões de adolescentes meninas, de 15 a 19 anos, foram vítimas de relações sexuais ou outros atos sexuais forçados; 9 milhões delas foram vítimas no último ano.
Dados de 28 países indicam que 90% das adolescentes vítimas disseram que o autor da primeira violação era alguém próximo ou conhecido. E apenas 1% das que sofreram violência sexual disseram que buscaram ajuda profissional.
Recomendações
De acordo com o relatório, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável reconhece a erradicação da violência contra crianças e adolescentes como componente-chave do desenvolvimento sustentável. Os principais fatores que contribuem para que essa violência aconteça incluem desigualdades econômicas e sociais agudas, normas sociais e culturais que toleram a violência, falta de políticas e legislação adequadas, serviços insuficientes para as vítimas e investimentos limitados para prevenir e responder à violência.
Para superar esse quadro, o Unicef insta os governos a que tomem medidas urgentes, como fortalecer os marcos legais e políticos, melhorar os serviços de atenção às vítimas e estabelecer planos nacionais para reduzir a violência contra as crianças e os adolescentes.
“Também é preciso mudar os padrões que perpetuam a violência e reduzir comportamentos violentos, isso inclui desenvolver a capacidade de pais e cuidadores para resolver conflitos familiares sem o uso de violência, e promover a não violência entre crianças e adolescentes”, diz o Unicef.
O fundo também ressalta a importância de se limitar o acesso a armas de fogo e outras armas.
Um resumo do relatório está disponível em português na página do Unicef, clique aqui para acessar.
Fonte: Agência Brasil
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