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“Vejo a arte como trabalho e isso é tudo na vida do ser humano”

Neusso diz que estudantes que o visitaram ao longo de 25 anos se tornaram professores e agora levam seus alunos à Casa de Pedra. Foto: Clarice Poltronieri

Artista de Jacaraípe, Neusso Ribeiro veio do vale do Jequitinhonha em Minas Gerais para a Serra na década de 90, quando construiu a Casa de Pedra em São Francisco. A obra chamou a atenção por sua excentricidade e beleza e tornou Neusso conhecido em todo Brasil. O entorno da Casa de Pedra atraiu outros artistas, que acabaram foi formar a Vila das Artes, local que virou referência turística e cultural do município. Neusso fala dessa história e como vê a produção cultural na Serra e no Espírito Santo atualmente.

A Casa de Pedra atraiu vários artistas para o bairro e formou a Vila das Artes. Como se deu isso?

Nesses 25 anos sempre recebi as pessoas muito bem aqui, turistas, escola e foram rolando energias muito boas. As pessoas foram vendo que aqui era um canto bacana de se instalar e fazer as coisas. Isso atraiu um monte de gente de todo canto que criou essa corrente forte que é a Vila das Artes.

Como se deu a criação da Avart (Associação dos Artistas e Artesãos) e da Vila das Artes?

Rolam altas histórias em volta do mundo artístico. Às vezes somos muito discriminados, mas criamos algumas regras para a associação: não pode beber, não pode fumar, para mostrar que não é nada disso. Os turistas vinham, visitavam a Casa de Pedra e os ateliês dos artistas e o lugar cresceu.

Qual a proposta dos artistas?

A proposta é incentivar a criatividade. As pessoas precisam ter apoio para mostrar que o caminho da arte, de criar as coisas, é interessante; fugir um pouco do padrão de cópia, de revista. O meu trabalho mesmo vem da minha criatividade, da minha cabeça. A gente incentiva as pessoas a criar sua própria arte.

A Vila amadureceu e se consolidou com o Fest Avart. O que é esse festival e qual seu futuro?

A presidente da associação, Áurea, é uma mulher de muita garra e muita energia e em tudo que ela põe as mãos, e eu a conheço há mais de 30 anos, vai pra frente. Acredito que o festival vai longe, já é o segundo ano e parece que vai entrar para o calendário oficial do município. Ainda mais agora com o apoio da Prefeitura, que iluminou tudo, fez o calçamento. E tem que apoiar mesmo, porque ali é um ponto turístico que tem 25 anos que foi feito. A festa esse ano foi muito bacana.

Como andam os projetos sociais na Vila das Artes?

Trabalho com oficinas para alunos de escolas, igrejas. Na época dos festivais os ateliês são abertos com oficinas para crianças. A proposta é fazer um trabalho com as pessoas daqui do bairro, escolas. Estou aqui há 25 anos e alunos que passaram por aqui, hoje são professores e trazem seus alunos para oficinas. Acho que eles sentiram uma energia boa aqui.

Como uma cidade como a Serra, marcada por problemas sociais, gerou uma referência na cultura e arte como você?

Essa coisa da violência é educação. O dia que começarem a punir os pais pela ação dos seus filhos, a coisa vai mudar. Porque o homem amansa boi, amansa burro, amansa tudo, mas não amansa uma criança? Na hora que a criança precisa de cuidado, o pai solta na rua. A criança chega aos 10, 11 anos e o pai solta para bandido ensinar. Isso está certo? Minha criação foi de muito trabalho e respeito com minha família, meu pai. O trabalho é muito importante na vida do ser humano.

Como avalia a produção artística e cultural da Serra?

Tem muito artista bacana na Serra, gente de garra. Talvez falte oportunidade de mostrar seu trabalho. Aqui é um lugar muito bonito, muito verde, tem muitas lagoas, é um paraíso que dá muita inspiração e isso atrai mais artistas. A Serra é um dos lugares mais bonitos do Espírito Santo. Mas as pessoas têm que se juntar, se unir, como fizemos. Todo mundo corre atrás, mas tem que mostrar a cara. Tem muitos projetos bons acontecendo.

E do ponto de vista do poder público, como avalia os incentivos culturais na cidade?

A cultura tem que estar junto com a política, porque um povo culto é um povo bacana, que tem uma visão interessante. E quando as pessoas se unem fica mais fácil estar perto da política. As leis estão aí para ajudar mesmo. Não tenho muito projeto porque sou meio quadrado, fujo da formalidade. Fico mais bicho do mato aqui, mas aos poucos estou me abrindo mais pras coisas.

A lei Chico Prego agora só contemplará moradores da Serra. O que acha disso?

Acho bacana, pois vai incentivar mais os artistas a fazer projetos e cultura. Às vezes acontecia de projeto daqui não ser aprovado e projetos de outros lugares serem aprovados, que não tinha muito a ver, porque tem que apoiar as pessoas que estão aqui. É muito importante isso.

O que acha da proposta de haver uma secretaria exclusiva de cultura?

Tudo que vai apoiar e cuidar da parte da cultura e das pessoas é bacana. Não tenho muita ligação com o mundo lá fora, não leio muito sobre política, foco mais em meu trabalho, mas tudo que for bom pra cultura é bom pra todo mundo.

A Serra é uma das cidades marcada pela violência. Como a arte e a cultura podem mudar isso?

Tem muitos projetos para fazer várias coisas, mas ninguém fala do trabalho. Vejo a arte como trabalho. O trabalho é tudo na vida do ser humano. Quando as pessoas trabalham, cansam o corpo, vão dormir para trabalhar no outro dia e não tem tempo de pensar em sair, beber. A arte pode ajudar a diminuir a violência. O trabalho que eu faço aqui com as oficinas já é um grande trabalho. Falamos muito da mãe natureza, da preservação, reciclagem, um trabalho em cima da conscientização para a pessoa tocar a vida.

Gabriel Almeida

Jornalista do Tempo Novo há mais de oito anos, Gabriel Almeida escreve para diversas editorias do jornal. Além disso, assina duas importantes colunas: o Serra Empregos, destinado a divulgação de oportunidades; e o Pronto, Flagrei, que mostra o cotidiano da Serra através das lentes do morador.

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