Designer gráfico de formação, o capixaba Leonardo Merçon se apaixonou por fotografias de natureza e fez disso sua razão de viver. Seu trabalho ganhou repercussão nacional com as imagens da fauna agonizante do rio Doce, vitimado pela lama de rejeitos da extração de minério. Confira as visões do fotógrafo sobre esse desastre e também do atropelamento de animais na BR 101, outro trabalho notório de Leonardo.
De onde vem à motivação para fotografar esses temas ambientais?
Trabalho como fotógrafo de natureza há 12 anos. Sempre gostei dessa área, apesar de não ter seguido os estudos nela. Sou formado como design gráfico. Quando criança adorava passear em lugares onde havia muita natureza. Quando comecei a me envolver com fotografia, percebi a necessidade de sensibilizar as pessoas na área ambiental. Então criei o Instituto Últimos Refúgios, uma ONG com foco mais na apresentação das imagens dos animais silvestres para que o grande público pudesse conhecê-los.
O que te marcou nessa tragédia do rio Doce?
Meu trabalho está fazendo sucesso por conta das fotos dessa tragédia. O que me deixa triste, por que sempre tiro fotos das belezas, e as pessoas não dão valor. E me marcou nessa expedição a quantidade de animais mortos e a falta de informação. Vi gente comendo os peixes mortos pela lama do rio, sem saber o que estava acontecendo. As pessoas achavam que os peixes morriam pela falta de ar. Mas vi outros animais que não respiram dentro d’água morrendo e pessoas passando mal. Vi essas empresas (Samarco, Vale e BHP) tomarem atitudes defensivas. Era hora delas e o governo tomarem frente.
O que acha desse desencontro de informações a respeito de metais pesados no rio Doce?
Estou achando estranha a forma que estão lidando com essa questão. Várias análises surgindo, uma diferente da outra. Como é uma tragédia sem precedentes, ninguém soube lidar com ela. Então está todo mundo perdido ainda. A coluna de lama não está homogênea, ela está descendo em blocos. Talvez quem saiba melhor o que tem na lama é a própria empresa, mas está na defensiva e não vai liberar a informação porque pode piorar para ela.
Você também capturou o drama humano. Como estava o sentimento dos ribeirinhos?
Eu esperava muita tristeza. Mas o sentimento que mais marcou era o da raiva. Os ribeirinhos já tinham um rancor com as mineradoras e isso explodiu quando viram o meio de sobrevivência deles arruinado. Dava pra sentir no discurso.
Há muitas outras barragens semelhantes à de Fundão nas cabeceiras do Doce. Este não é um rio condenado?
Pela forma que sociedade está lidando com o meio ambiente, está tudo condenado. A negligência é culpa deles (Samarco, Vale e BHP). Mas essas empresas trabalham para suprir a demanda da sociedade. Essas empresas deveriam fazer as coisas de forma mais sustentável. Mas a ganância as leva a serem negligentes. Ao mesmo tempo as pessoas não querem abrir mão de um pouco de consumo para melhorar o meio ambiente.
A distribuição de água para as cidades atingidas é tão ruim quanto o que mostram as redes sociais?
Na cidade mineira de Galileia, a população ficou uma semana sem água. Recorreram a fontes não confiáveis e houve surto de vômito e diarreia. E quando recebem água limpa, não é o suficiente. Vi tanta coisa, eu vi a empresa pegando os peixes e enterrando sem sequer catalogá – los.
O que você acha do trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado?
Ele vem de um trabalho de reflorestamento em Aimorés, que serve de referência a outros plantios. Mesmo batendo na burocracia, ele segue tentando ampliar essas ações e foi a única pessoa que propôs algo real depois dessa tragédia. Mesmo assim foi criticado. O objetivo do Instituto Terra é recuperar o Rio Doce, e se uma pessoa que tem força para fazer algo nessa magnitude é Sebastião.
Ouve descrédito em algumas ONGS, que acabaram recebendo recursos e deixaram de atuar, o que você pensa?
Eu penso que é um sintoma geral da sociedade, política isso acontece sempre, na sociedade desde a corrupção do cara que vai furar uma fila, as pessoas que fazem corrupção todo dia. A vida do brasileiro é muito suada, e você às vezes sabe por que mais não importa o motivo, agente até entende, é muito difícil, é uma luta constante. Eu tento ser o mais correto possível, mais da para entender por que as pessoas agem dessa forma. Tem muita gente que está fazendo projeto, que a Samarco está pagando, amigos que fizeram projetos da Vale.
Uma das frentes que você atua são fotos de animais silvestres atropelados na BR-101. Como está essa preocupação em relação à duplicação da via e o Contorno do Mestre Álvaro?
Há medidas tramitando para serem aprovadas visando proteger os animais a partir de provocação do Ministério Público. Mas o poder econômico é mais forte que agente. Outro problema é que muitas vezes o edital do governo para as concessionárias não prevê a proteção da fauna. A Eco 101 é sempre solícito com a gente, mas ao governo exigir as medidas de proteção e fiscalizar o cumprimento.
Você tem estimativa de quantos animais morrem por dia no trecho capixaba da BR-101?
Só temos o estudo feito no trecho da reserva de Sooretama no norte do ES. São cerca de 50 animais vertebrados por dia. Mas essa conta é subdimensionada, pois há os não vertebrados, os animais que ficam agarrados nos veículos, os que os corpos somem no asfalto. E tem os que são feridos e morrem na mata.
Seu trabalho também retrata as reservas ambientais no ES. Elas estão sendo bem geridas?
O que acontece no ES apenas reflete a situação do Brasil: essa questão está totalmente sucateada. Há corte de recursos, tanto de funcionários quanto de verba.