FRANCISCO LIMA NETO
A história de vida e os crimes do serial killer Pedro Rodrigues Filho, conhecido como Pedrinho Matador, vai ser tema de documentário e de uma série. Pedrinho Matador foi morto neste domingo (5) a tiros, em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Considerado responsável por mais de cem assassinatos, ele é apontado como o maior serial killer brasileiro. Por seus crimes, passou 42 anos preso, e foi solto em 2018.
As produções audiovisuais buscam mostrar o ser humano por trás do homem considerado um monstro por grande parte da sociedade.
O responsável pelas produções é o cineasta Fernando Grostein de Andrade, um dos criadores do documentário “Quebrando Mitos”, que retrata a “masculinidade catastrófica” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A gente tinha combinado de fazer o projeto de uma série e de um documentário e acordei hoje (domingo) de manhã com essa notícia, foi um imenso susto. Estou muito triste”, disse.
Andrade conheceu Pedrinho Matador enquanto dava aulas de teatro para detentos na penitenciária Adriano Marrey, em Guarulhos.
Na entrevista abaixo ele explica as motivações para retratar o homem por trás do matador.
Como você conheceu o Pedrinho Matador?
Uns 8 anos atrás eu ajudei a reativar um grupo de teatro na penitenciária de segurança máxima Adriano Marrey, em Guarulhos. Era um projeto de alguns agentes penitenciários, como o Igor Rocha, entre outros. Eu ajudei a dar aulas de teatro lá. Desse grupo de teatro vieram filmes como “Na Quebrada”, formamos atores que foram para séries de tv, como “Carcereiros”, alguns foram parar no “Sintonia”, saíram peças de teatro, foi muito legal, uma das experiências mais bacanas da minha vida. A gente chegou a fazer uma pré-estreia do “Na Quebrada” dentro da penitenciária, por conta desse trabalho eu acabei ganhando bastante respeito das pessoas da massa penitenciária, em especial, do Pedrinho, que na época me procurou dizendo que queria contar a história dele.
Como foi a aproximação?
Ele me falou que tinha uns cadernos de anotações da vida dele e queria fazer um filme. Fiquei um pouco preocupado e falei e se você não gostar, ele disse que era impossível ele não gostar porque é a minha história. Fiquei com medo na época e pedi um tempo para pensar. Nesses últimos anos fiz um filme sobre o Bolsonaro que é o “Quebrando Mitos” e foi um mergulho tão difícil, que eu falei depois desse filme me sinto pronto para praticamente tudo.
Procurei o Pedrinho e descobri que ele já tava em liberdade. Descobri que a terapeuta dele, a Isa Toledo, tinha feito um livro chamado “Eu não Sou Um Monstro”. Eu fiquei encantado com o livro, que fala sobre o processo terapêutico dele e acaba contando um pouco como ele criou essa imagem para autodefesa dele, para meter medo como forma de mecanismo de sobrevivência.
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Procurei ele e a Isa Toledo, adquiri os direitos do livro dela e da vida dele e entrei no processo de começar a fazer uma série de entrevistas com o Pedro, mergulhar na vida dele, entender a violência que ele sofreu.
O que te chamou atenção?
Ele cresceu num ambiente muito violento. Fiquei muito impressionado que ele trabalhava desde os 9 anos num matadouro de bois. Segundo ele, no matadouro, estava acostumado a beber sangue de boi com o avô como se fosse uma coisa normal. Ele apanhava do pai, teve o incidente que ele apanhou do primo que tinha o dobro da idade dele, ele ficou com medo do primo bater de novo nele e acabou moendo o primo num moedor de cana.
É muito pesado, e acabei me interessando em fazer um estudo se as pessoas nascem más ou se elas se tornam más. E o Pedro expressou com muita veemência para mim o desejo de deixar claro que ele não se tornou essa pessoa por livre e espontânea vontade, mas como produto de um conjunto de circunstâncias na vida dele que deixaram ele assim. Na violência que ele sofreu na sociedade, no sistema carcerário, na violência que ele viu o pai matar a mãe, de ele ter apanhado do pai muitas vezes, inclusive quando estava dentro da barriga da mãe.
Ele queria mostrar um outro lado?
Ele não queria de maneira nenhuma que se vitimizasse (a história dele), se fazer de coitadinho. Pediu muitas vezes para deixar claro que não era coitadinho. Ele falou quero que na minha história tenha briga de faca, quero minha história nervosa ele falava. A gente tinha combinado de fazer o projeto de uma série e de um documentário e acordei hoje (domingo, 5) de manhã com essa notícia, foi um imenso susto.
Você mora nos Estados Unidos, como coordenava os processos de entrevistas com Pedrinho Matador?
Tenho uma equipe no Brasil, as entrevistas estavam sendo conduzidas pelo Bernardo Guerreiro, que é um diretor e fotógrafo, inclusive quem fez as imagens mais famosas da Marielle Franco, e pelo Igor Rocha que é o agente penitenciário que esteve com o Pedro durante muitos anos na cadeia, e fazia o café dele praticamente todos os dias. A gente está com o documentário e o projeto da série avançados, a gente vai continuar.
Qual o objetivo dessas produções?
Uma das motivações maiores do Pedro era deixar claro que ele não era um monstro. Durante muito tempo, dentro da penitenciária ele construiu a imagem de uma pessoa assustadora como forma de se proteger e sobreviver, mas, ao mesmo tempo, acho que estava precisando mostrar que existia um ser humano ali dentro, sem querer se vitimizar ou se fazer de coitadinho. Querendo mostrar que era uma pessoa que tinha sentimentos, que acordava cedo para cuidar dos cachorros. Ele tinha uma busca muito grande por justiça, por reparação, que não tolerava ver injustiça no mundo. Uma pessoa que gostava muito de contar piada, tinha muito humor, que tinha plena consciência dos erros e dizia que não tinha vontade de voltar a matar e voltar para o sistema penitenciário.
Em nenhum momento você teve preconceito ou o julgou?
O ser humano é complexo e eu busco tentar não julgar. No caso do Pedro, acho que ele foi uma pessoa que cresceu com pouco acesso à educação. Ele me explicou que estudava duas horas por dia, trabalhava desde os 9 anos no matadouro, matando boi, com sangue para tudo quanto é lado, num ambiente com pouco afeto, espancado pelo pai, espancado pelo primo com o dobro da idade, viu o pai matar a mãe, muita violência e injustiça. Eu sou totalmente contra a pena capital. O que me fascina é justamente poder levantar esse debate, essa discussão e poder calçar esse sapato para poder fazer esse exercício de empatia.
Você viu transformação nele?
Quando conheci o Pedro na penitenciária Adriano Marrey, eu morri de medo, ele estava com um avental de uma empresa que fazia marmitas, e o olho dele tava completamente escuro de morte, eu fiquei morrendo de medo. Eu não tinha medo nenhum dos detentos, mas naquele dia eu fiquei com medo. Mas, conforme fui conhecendo ele, foi passando isso. Agora, o Pedro com quem eu falei depois, que tava fora [da penitenciária], já era outro Pedro, contava piada, era outro astral. Mas, teve um Pedro que tava no meio desses dois Pedros, tinha um terceiro Pedro que conheci. Foi quando a gente tava no teatro.
Teve um exercício que o Igor (agente penitenciário) fez, em que cada detento tinha que andar pela sala. Ele falava assim: como anda o paulista? E as pessoas andavam rápido. Como anda o carioca? Todo mundo andava meio assim, de malandragem. Como é que anda o baiano? As pessoas andavam com um pouquinho mais de calma. Como é que anda o mineiro? Ele (Pedrinho) falou não quero brincadeira com a minha terra. Todo mundo gelou na sala. O Igor falou o mineiro anda com calma e tranquilidade, obrigado acabou o exercício.
Passou um tempo, ele falou vamos dar as mãos e fez um exercício de calma. E ele (Pedrinho) abriu um sorriso. Nessa hora fez uma fila do lado de fora da sala para os outros detentos olharem ele sorrindo, porque não tinha registro de ele sorrir dentro da cadeia. É muito legal ver o ser humano se transformando. Acho que foi nesse lugar que a gente se conectou.
Há uma preocupação com possíveis ataques e acusações de que essas produções possam romantizar a história de uma pessoa que matou mais de cem pessoas?
A gente pretende trabalhar duro no projeto para mostrar que a gente está contando uma história para provocar uma discussão. Tem gente que diz que o homem nasce bom e se torna mau. Tem gente que diz que é o contrário, e tem gente que diz que é uma mistura da genética com o ambiente. É esse tipo de discussão que a gente quer provocar. A gente está a serviço de uma discussão filosófica que é propositiva para a sociedade é uma questão maior.
Tem uma previsão de lançamento do documentário e da série?
Ainda não. A gente ainda está em processo de filmar o documentário, fazer o roteiro da série e conversando com parceiros.
O Pedrinho teve filhos?
Não teve filhos. Teve uma companheira que foi assassinada grávida, há muito tempo, antes ainda de ele entrar no sistema penitenciário. É uma história de muita dor. Por isso que tem que ter muita calma para julgar. Ela era viúva de um traficante chamado Botinha e ele (Pedrinho) tava protegendo ela, mas não conseguiu proteger, e a gravidez não era dele, mas ela era a companheira dele.
Ele é um serial killer como qualquer outro?
Ele é considerado um dos maiores serial killers do mundo, matou mais de cem. O que difere ele dos outros é que ele não matava qualquer um, ele matava as pessoas que ele considera erradas na cabeça dele. Criminosos, estupradores, ele era mais um vingador. Ele não matava por dinheiro, não era assim que funcionava a cabeça dele.
Você fala dele com sentimento. Diria que se tornaram amigos?
Com certeza fiquei amigo dele. Porque ele me tratou com muito respeito e muita confiança. Abriu a vida dele para mim, confiou a intimidade dele para mim. Foi uma pessoa que sofreu muita injustiça (na infância). Ele sabia que botou muitas mães para chorar e deixou claro que não queria voltar a matar. Eu não acho certo matar. Não sou a favor da pena de morte, mas isso não me faz deixar de ficar triste, ter respeito, e desejar o melhor para a alma dele.
RAIO X
Fernando Grostein Andrade, 42
É cineasta, fotógrafo e diretor de filmes, brasileiro residente em Los Angeles, nos Estado Unidos, e empresário de mídia digital. Andrade criou e dirigiu Quebrando o Tabu, documentário que discute soluções alternativas para a guerra às drogas com seis chefes de estado, incluindo Jimmy Carter e Fernando Henrique Cardoso. O Quebrando o Tabu se transformou em um canal de mídia online com 8,3 milhões de seguidores. Em 2019, estreou seu filme “Abe”, estrelado por Noah Schnapp (Stranger Things), Seu Jorge (Cidade de Deus) e Mark Margolis (Breaking Bad). “Abe” foi aceito em 27 festivais de cinema e estreou em Sundance. O filme foi homenageado com o Prêmio do Júri Infantil no 31º Festival de Cinema Kinder em Viena e com o Prêmio do Público de Melhor Narrativa no Festival de Cinema Judaico de Washington.