Mesmo em um vídeo editado, meticulosamente selecionado pela assessoria do deputado Pablo Muribeca, tornou-se evidente o abuso de autoridade ocorrido no Sine da Serra na última sexta-feira (18). O parlamentar, juntamente com os vereadores Darcy Júnior, Anderson Muniz e Prof. Arthur, realizou uma operação não autorizada que culminou em um espetáculo circense no Pró-Cidadão. Com uma abordagem agressiva, desproporcional e emocionalmente exaltada, agindo como um xerife autonomeado, Pablo deu voz de prisão ao servidor Renato Ribeiro, sem apresentar provas, flagrante ou qualquer respaldo do Poder Judiciário.
A ordem de prisão foi executada por um policial, apoiador de campanha e aliado reconhecido de Pablo. O meio político da Serra trata o policial como primo de Muribeca, embora essa informação de parentesco não esteja confirmada e seja negada pelo deputado. Enquanto a Corregedoria da Polícia Militar não emitir um parecer sobre o caso, a coluna optou por não revelar o nome do PM envolvido. O deputado alega que acionou o Ciodes, mas é importante frisar que o sistema policial aciona a viatura mais próxima da ocorrência geograficamente, o que gera a necessidade de esclarecer a suspeita de uso indevido da força policial.
Quanto ao mérito da questão, em nenhum momento o vídeo esclarece as supostas irregularidades. Pablo e os vereadores alegaram a existência de currículos nas dependências internas do Sine e práticas de direcionamento de vagas. Vale ressaltar que o Sine atua na intermediação de vagas entre cidadãos e empresas, sendo que as contratações são decisões exclusivas das empresas privadas, as quais podem escolher chamar ou não os candidatos. A decisão de contratação é interna e pertence às empresas situadas na Serra e em outras localidades.
Provavelmente, o ‘coronel’ Pablo não estava ciente de que o Sine oferece uma sala para entrevistas entre empresas e candidatos, onde são apresentados os currículos. Além disso, o setor também armazena cópias de documentos para cadastramento, filtragem e análise de documentação de pessoas em busca de cursos de qualificação, a fim de verificar a elegibilidade para vagas gratuitas em cursos. Portanto, a presença de currículos e documentação nessa repartição pública não constitui prova concreta de irregularidades.
No vídeo, é perceptível que Pablo e os vereadores tentaram coagir servidores a entregarem os telefones institucionais do Sine, inclusive tentando acessar o banheiro em busca de uma servidora. Embora esses aparelhos pertençam ao patrimônio público da Prefeitura da Serra, só podem ser acessados mediante ordem judicial. Sem tal autorização, qualquer celular do setor público estaria vulnerável, inclusive aqueles que contêm informações estratégicas para atividades públicas, como operações policiais, ordens de prisão, entre outros exemplos.
Muribeca e seus vereadores também declararam que possuíam capturas de tela (prints) que supostamente legitimavam a operação clandestina; além disso, afirmaram que já havia uma denúncia no Ministério Público. Contudo, se existia tal denúncia no MP, por que não aguardaram a validação da mesma pelo órgão antes de invadir o Sine? A existência de uma denúncia não justifica uma operação clandestina, pois qualquer pessoa pode fazer uma denúncia ao MP, e esta pode não ser comprovada, dado que prints podem ser fabricados, alterados e manipulados. É por isso que o Ministério Público conduz investigações, analisa provas e decide tecnicamente se apresenta ou não a denúncia à Justiça. Esse é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, que o ‘coronel’ Pablo parece ignorar.
Pablo apresentou, sem muitos detalhes, o relato de uma servidora efetiva que alegou existirem irregularidades. Informações preliminares indicam que, na semana anterior, essa servidora – cujo nome será mantido em sigilo até que mais esclarecimentos sejam fornecidos – teve um desentendimento pessoal com outra servidora. Adicionalmente, a servidora buscava uma transferência para a Secretaria de Administração da Prefeitura, mas, devido a três Processos Administrativos Internos, não obteve sucesso na transferência e estaria insatisfeita. Independentemente das intenções da servidora, isso, em teoria, não altera o mérito da questão. No entanto, na delegacia, ela recusou-se a depor e não corroborou as denúncias do deputado, o que o colocou em uma posição delicada.
No final do episódio, o servidor Renato Ribeiro foi forçado a entrar em uma viatura policial e levado ao DPJ de Laranjeiras, enquanto era filmado e ridicularizado por Pablo e seus vereadores. Estes últimos difundiram nas redes sociais que haviam “dado voz de prisão” ao servidor. Vale ressaltar que Renato é uma figura destacada no bairro Barcelona, onde um dos aliados de Pablo envolvidos na operação, o vereador Prof. Arthur, tenta ganhar influência. Não se tem registro, na Serra, de um caso em que um adversário político tenha recebido voz de prisão sem base legal, especialmente após a redemocratização do país. Esta é uma situação extremamente séria que exige esclarecimentos, sob pena de desrespeitarmos os princípios da nossa Constituição.
Do ponto de vista eleitoral, é provável que Pablo tenha conseguido algum benefício, atraindo eleitores mais compelidos por seu estilo midiático. Utilizando um discurso de predestinação divina e um tipo de moralismo (que conflita com ele próprio), Pablo se apresenta ao eleitor mais inclinado a este formato de populismo. No entanto, as consequências legais dessa operação clandestina podem trazer complicações. Até mesmo na Assembleia Legislativa, há rumores de certo descontentamento devido à desproporcionalidade e abusos cometidos durante a ação. Não vale tudo para ser prefeito da Serra, coisa que o ‘coronel’ Pablo parece não entender.