PEDRO S. TEIXEIRA
Depois do golpe da mão fantasma, um vírus de celular capaz de desviar dinheiro via Pix vem crescendo no Brasil, segundo a empresa de cibersegurança Kaspersky. A tecnologia desenvolvida por criminosos brasileiros foi detectada em dezembro e, embora restrita ao país, já é a segunda fraude mais registrada em toda a América Latina.
O programa malicioso responde por 1.385 registros de golpes em 2023, de acordo com o levantamento feito a pedido da Folha de S.Paulo. A liderança nos países latino-americanos é dos vírus da família Banbra, usados para acesso remoto a smartphones na mão fantasma, com 2.039 ocorrências.
Na fraude do Pix, criminosos conseguem trocar o destinatário e o valor da transferência. O programa malicioso (malware) trabalha na etapa anterior à solicitação da senha –os poucos indícios são tremedeira na tela e lentidão para carregar. Os estelionatários levam até 95% do saldo da conta em um único golpe.
Para infectar os celulares, os crackers -hackers voltados a atividades criminosas- usam notificações e aplicativos falsos. Em um dos episódios, por exemplo, o golpe começava com o anúncio de uma atualização do WhatsApp, que redirecionava para um simulacro do app de mensagens. Quem baixava programa “Atualização Whats App v2.5” ficava comprometido.
O app foi retirado do ar da Google Play, após aviso da Kaspersky. O analista sênior de segurança da empresa Fabio Marenghi afirma que mantém contato constante com a empresa responsável pelo sistema operacional Android. O modo de operação dos criminosos foi apresentado na Conferência Latino-Americana de Cibersegurança da Kaspersky, realizada na Costa Rica.
Em nota enviada à reportagem, o Google afirma que segurança na sua loja de aplicativos é uma prioridade. “Nossos usuários são protegidos pelo Google Play Protect, que identifica comportamentos nocivos nos apps e dispositivos Android e alerta os usuários.”
Também existe vírus para dispositivos da Apple, como os iPhones, mas é menos comum.
Esse modelo de programa malicioso oferece vantagens aos cibercriminosos ao permitir operação em larga escala. Diferentemente do golpe da mão fantasma, que exige intervenção direta do fraudador, o desvio de Pix é executado de forma automatizada pelo próprio software.
O malware consegue acesso a dados sensíveis a partir das chamadas opções de acessibilidade -recursos que auxiliam pessoas com deficiência sensorial ou de movimento, como leitor de texto e clique automático.
Assim, o programa analisa informações de geolocalização, contador de passos (pedômetro), horário e outros dados do aparelho para calcular os momentos em que os usuários têm mais probabilidade de usar aplicações bancárias. Para isso, passa um tempo apenas espionando a rotina da pessoa que está em seu alvo.
Essa preparação permite o disparo automático do vírus, que fica a postos para adulterar o Pix.
Para se prevenir do golpe, o primeiro passo é suspeitar de qualquer notificação que peça “acesso às opções de acessibilidade.” Isso vale tanto para solicitações do navegador quanto de aplicativos, segundo Marenghi.
Essa permissão dá amplo acesso às funcionalidades do smartphone e só é necessária para quem precisa de algum auxílio do aparelho para usar aplicativos, que devem ser selecionados criteriosamente.
Depois de realizar a fraude, o próprio programa malicioso se desinstala para apagar vestígios.
Os cibercriminosos escolhem o Pix como ponto de atuação pela velocidade. Com a tecnologia de pagamentos instantâneos, é possível dispersar o dinheiro entre várias contas. Isso dificulta muito o rastreio dos valores, de acordo com o diretor da Equipe Global de Pesquisa e Análise da Kaspersky, Fabio Assolini.
Pesquisadores de empresas de cibersegurança acompanham a tática do desvio de Pix desde o fim de 2022. O primeiro malware da família conhecido pelo público foi o Brasdex. A empresa de cibersegurança que atende a instituições financeiras, Allow Me, afirma que já consegue identificar o vírus e prevenir prejuízos.
Como cibercriminosos se organizam em comunidades e trocam informações, existem outros programas maliciosos com funcionamento similar.
A tática conhecida como ATS, de desvio de pagamentos de forma automática, era aplicada em computadores pessoais no início dos anos 2010. Foi substituída pelos golpes de acesso remoto, uma vez que os bancos levantaram proteções eficientes para barrá-la.
Para os celulares, essas barreiras ainda estão em desenvolvimento. Ainda assim, infectar smartphones com códigos maliciosos é mais difícil, já que os sistemas operacionais desses aparelhos dão menos liberdade para os usuários instalarem programas e fazerem personalizações.
Os crackers também lucram vendendo programas maliciosos prontos para terceiros. No YouTube, há vídeos com instruções de como executar o golpe da mão fantasma, após pagar pelo programa Ghost Rat.
O canal Ghost Rat disponibiliza links para contato no WhatsApp e no Telegram e tem 102 mil inscritos. Os conteúdos incentivam a audiência a supostamente adquirir o malware para ganhar dinheiro, a exemplo do vídeo “Veja como limpar seus clientes.”
Outra propaganda do vírus em um fórum diz: “Vai viver uma vida de inseto? Venha aprender a roubar banco com o primeiro da internet.”
Os vírus trojan contra computadores pessoais são os ataques mais recorrentes no país, com 1,877 milhão de ocorrências detectadas pela Kaspersky.
O número de detecções desses programas maliciosos cresceu 32% entre agosto de 2022 e julho de 2023, em relação aos 12 meses anteriores. Entre os 12 vírus mais encontrados na América Latina, 7 saíram das mãos de desenvolvedores brasileiros.
O foco dos cibercriminosos brasileiros nos computadores pessoais contraria a preferência nacional pelo mobile banking -uso de serviços bancários em smartphone.
Os celulares concentraram 66% das transações bancárias em 2022, mostra a pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária de 2023. Os computadores representam 14% desse total.
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