Imagine você poder desfrutar de uma realidade pública tão agradável em que apenas investir o mínimo em Saúde pode te fazer ostentar o prêmio de melhor Saúde Pública do país? É esse privilégio que a capital do Espírito Santo, Vitória, tem. No início de setembro, o prefeito Lorenzo Pazolini anunciou nas redes sociais que Vitória conquistou o 1º lugar no Ranking Connected Smart Cities 2023 na categoria Saúde. Ele classificou essa listagem como “a mais importante avaliação do Brasil”, ainda que essa afirmação seja passível de interpretação.
São sinais como esses que indicam a urgente necessidade de distribuir melhor os recursos públicos entre os entes federados e as unidades administrativas, de forma inteligente e articulada. Por exemplo, dados do Tribunal de Contas do Espírito Santo revelam que, de janeiro a julho, a capital investiu 14.16% dos recursos arrecadados de impostos e transferências em ações/serviços de saúde pública. O limite constitucional estabelecido no Brasil é de 15%, ou seja, a capital investiu abaixo do mínimo obrigatório em Saúde. Evidentemente, há ainda cinco meses de exercício fiscal para que os 15% sejam atingidos, como ocorreu em 2022, quando a capital investiu 16.88%. De qualquer forma, é um baita privilégio ser premiado aplicando o mínimo em saúde.
Embora essas premiações geralmente redundem em textos exaltando eficiência e boas práticas de gestão, esse cenário em Vitória encontra profundo eco no processo histórico de formação da capital capixaba – aspectos que podem ser explorados em outra análise. Na prática, dados recentes do Censo de 2022 indicam que 65% dos moradores de Vitória possuem acesso à saúde privada, o que explica em parte o baixo investimento em saúde pública. Ou seja, além de ter uma população significativamente menor do que a Serra, por exemplo, ainda possui uma baixa demanda de população dependente do serviço público.
É claro que existem méritos pessoais envolvidos, afinal, trata-se de um complexo arranjo de saúde pública municipal. Porém, também se evidencia uma condição privilegiada, e a Serra ilustra isso bem. De janeiro a julho, a cidade da Serra investiu 21.47% em saúde, bem acima dos 14.16% de Vitória. Em números totais, a Serra injetou R$ 181 milhões, enquanto a capital aportou R$ 170 milhões. Essa discrepância proporcional se justifica pelo fato de que Vitória tem um orçamento maior do que a Serra e, mesmo assim, a Serra investiu R$ 11 milhões a mais de um orçamento global disponível, menor. A análise per capita desses montantes explicita a injustiça do rateio do dinheiro público no Brasil. Mesmo investindo mais tanto percentualmente quanto também em números totais, a aplicação per capita, ou seja, por habitante da Serra, é de R$ 384,94, enquanto em Vitória é de R$ 507,06.
A realidade é complexa e desafiadora. Diferente da capital, o perfil populacional da Serra é altamente dependente de saúde pública. O mesmo Censo de 2022 indicou que 85% da Serra é usuária do Sistema Único de Saúde. Trata-se de uma demanda humana massiva e que, após a responsabilidade do Governo do Estado em prover saúde pública, a da Serra é a maior de todo o Espírito Santo.
E como se os desafios dos serranos não fossem suficientes, a cidade ainda atende um grande número de pessoas de fora do município, pois, embora os orçamentos municipais sejam distintos, o sistema de saúde é único, como sugere sua nomenclatura. Dados solicitados à Prefeitura da Serra comprovam isso.
Em agosto, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Castelândia realizou 15.377 atendimentos. Desse total, 1.903 (12%) foram de não-moradores da Serra. A UPA de Carapina registrou 14.005 atendimentos, dos quais 1.315 (9.3%) foram feitos a pacientes de fora. Por fim, a UPA da Serra Sede realizou 17.388; do total, 803 (4.6%) foram não-moradores da Serra. É natural que a UPA de Castelândia seja a mais procurada por pacientes de fora, pois não é tão distante quanto a Serra Sede e é a unidade de pronto atendimento mais moderna do Espírito Santo, assemelhando-se a um mini hospital. A questão que permanece é que toda essa estrutura é financiada pelos contribuintes da Serra, que arcam com os custos de saúde pública de pacientes vindos de outras cidades.
Assim, em números absolutos, as três UPAs somadas realizaram 46.770 atendimentos em agosto; 7.3% foram de pacientes de fora da Serra, sendo que em Castelândia, a cada 10 pacientes atendidos, pelo menos um não é da Serra. A Prefeitura não detalhou a origem desse ‘turismo’ de saúde, mas é sabido que as frações mais expressivas são de Cariacica e Vitória. No caso da capital, apesar de ser premiada como tendo a melhor saúde pública do país, lá não existe UPA, apenas P.A (Pronto Atendimento), com uma estrutura menos complexa fazendo com que parte de sua população procure os equipamentos municipais de saúde da Serra.
O baixo investimento público da capital em saúde também é sustentado pelo seu crescimento populacional – ou pela quase falta dele. Entre o Censo Demográfico de 2010 e 2022, Vitória cresceu 0.98%. Isso significa que em 12 anos, a capital aumentou o número total de habitantes em 3.131. Já a Serra foi a 12ª cidade brasileira que mais cresceu neste intervalo: 111.382 pessoas em relação ao censo de 2010. Na prática, o crescimento populacional da Serra vem ocorrendo ininterruptamente desde 1960, quando o Porto de Tubarão foi estabelecido entre Serra e Vitória, inaugurando a fase industrial da cidade.
Todos esses fatores somados tornam a Serra o principal foco dos desafios em saúde pública no Espírito Santo, já que tem menos dinheiro, maior demanda e uma estrutura que atende uma parcela significativa da população capixaba. A gestão da saúde municipal da Serra não é inferior à da capital, mas opera em condições muito mais desfavoráveis.
Reiterando, não se questiona os méritos pessoais da gestão de Vitória. Mas é importante observar os contrastes, entender o contexto de fundo e compreender as especificidades de cada município. Em Vitória, mesmo com menos investimento público, existem fatores intrínsecos que permitem a manutenção de uma saúde pública de qualidade. Já na Serra, mesmo com mais investimento, os desafios são bem maiores. Por isso, avaliações e comparações devem ser feitas com critério, baseadas em dados e realidades objetivas, e não somente em méritos individuais ou imagens projetadas.
Esse tipo de premiação não acrescenta em muita coisa na visão de conjunto, além de reforçar estigmas de que em Vitória tudo dá certo em contraste com a Serra. Na verdade, nenhuma outra cidade consegue alcançar o arranjo de saúde que a Serra construiu. Os milhares de profissionais da saúde da Serra também merecem reconhecimento, pois atuam na linha de frente de uma das cidades mais complexas do país, em comunidades de extrema vulnerabilidade social, dedicando-se fundamentalmente a uma população dependente do sistema público desde a hora que nasce até a hora que morre.
De acordo com os dados da Central Estadual de Transplante do Espírito Santo, atualmente 1.000 esperam por rim, 301 por…
Bloco de Rua/ Foto: Leandro Pereira A Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer (Setur), por meio da Comissão de…
Entre as lojas participantes estão perfumarias, cosméticos, lojas de departamento, óticas e calçados, todas com produtos a preços reduzidos para…
Divulgação PCES A Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV) concluiu, nesta quinta-feira (16), o inquérito que investigava a…
O Governo do Estado promoveu um encontro com prefeitos eleitos para apresentar o Pacto pela Educação. O programa prevê o…